Folha de S. Paulo


Para maioria dos cubanos, Estados Unidos ainda são sonho impossível

O sonho da manicure cubana Liset, 25, e de sua família é viajar para os Estados Unidos.

Liset, seu marido, o locutor Juan, a mãe e o pai dela saíram às 3h de Pinar del Rio, cidade a 164 km de Havana onde eles moram, para tentar tirar um visto de turista na seção de interesses dos Estados Unidos em Cuba.

Desde que os dois países romperam relações diplomáticas, em 1961, os EUA não têm embaixada em Cuba. Desde 1977, americanos mantêm no prédio uma seção de interesses dos Estados Unidos em Havana, formalmente parte da embaixada da Suíça no país.

Os cubanos ficam aglomerados em uma praça ao lado, durante horas, esperando pela entrevista para o visto e a resposta, que muitas vezes é negativa.

A tia de Liset, Yanet (todos os nomes foram trocados a pedido dos entrevistados, que têm medo de conceder entrevista), vive há 20 anos em Miami. Ninguém nunca conseguiu visitá-la, por falta de dinheiro e oportunidade.

Em 2009, os EUA eliminaram uma série de restrições para cubanos que queriam visitar familiares em solo americano.

"Minha tia mandou o dinheiro para o visto, 160 CUC, e nós resolvemos tentar", contou Liset. O salário médio em Cuba é cerca de US$ 30. Grande parte dos cubanos depende de dinheiro enviado por parentes que vivem nos Estados Unidos e outros países.

Nos EUA, segundo levantamento do Pew Research, há 2 milhões de pessoas de origem cubana, sendo que cerca de 1,2 milhão nasceu em Cuba.

Cuba recebe por ano cerca de US$ 2 bilhões em remessas de cubanos vivendo nos EUA -quantia substancial em um país cujo PIB é de US$ 68 bilhões.

A manicure Liset está grávida de 4 meses e sua tia comprou roupas de bebê, carrinho e outros equipamentos que são caros ou impossíveis de achar em Cuba.

A escolhida para tentar a sorte com o visto foi a mãe de Liset, Lina. "Eles nunca dão visto para jovens, acham que vamos querer ficar lá para sempre. Os mais velhos têm mais laços aqui, é menor a chance de quererem emigrar. Então minha mãe vai visitar a minha tia e trazer as coisas do bebê."

Juan, marido de Liset, acha que agora, com a reaproximação entre EUA e Cuba, vai ficar bem mais fácil para eles viajarem ao exterior. Eles gostariam de conhecer o Brasil e, quem sabe, levar seu filho para Disney um dia, com ajuda financeira da tia que está em Miami.

Na quarta-feira, Juan, que é locutor de uma TV local em Pinar del Rio, emocionou-se ao dar a grande notícia, ao meio-dia: "Regressaram à pátria os três antiterroristas cubanos. Cuba está em festa", ele anunciou na TV, referindo-se aos três cubanos acusados de espionagem que foram libertados pelos EUA em troca do americano Alan Gross e do espião cubano Rolando Trujillo. "Cuba e Estados Unidos vão restabelecer relações", continuou. O presidente Raúl Castro entrou em rede nacional para dar o anúncio a todos os cubanos.

"Nunca esperava que isso fosse acontecer agora", disse Juan, enquanto esperava na praça, ansioso, pela chegada da sogra, que demorava na entrevista na seção de interesses americanos. "Muita gente acha que Obama vai ser assassinado, porque contrariou os interesses da máfia cubano-americana em Miami [que se opõe aos irmãos Castro e à aproximação com Cuba]."

Depois de três horas, Lina saiu da embaixada, com um semblante contrariado.

"Não consegui", disse ela, contrariada, mostrando a carta que recebeu do funcionário da seção de interesses.

O enxoval de Aron David, o bebê que está há quatro meses na barriga de Liset, vai ter que esperar um pouco. Mas eles acreditam que, em breve, Lina vai conseguir visitar sua irmã em Cuba.

"Vamos tentar de novo, ela vai nos mandar mais dinheiro para o visto. Tem gente que tenta cinco, seis vezes antes de conseguir o visto. Agora vai ficar mais fácil, os dois países estão conversando.", disse Juan.


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