Folha de S. Paulo


Dissidentes cubanos recebem com desconfiança acordo com EUA

Dissidentes cubanos que vivem em Cuba e no exterior receberam com surpresa e desconfiança o movimento de aproximação entre o regime de Raúl Castro e o governo americano.

Apesar de considerar a decisão anunciada pelos dois governos nesta quarta-feira (17) como o "fim de uma era", a blogueira opositora cubana Yoani Sánchez foi uma das primeiras a questionar o real impacto da "vitória castrista".

"O governo cubano planeja outro movimento para voltar a estar em posição de força com o governo dos EUA? Ou desta vez todas as cartas estão sobre a mesa, diante dos olhos cansados de uma população que pressente que o castrismo também vencerá a próxima jogada?", questionou, em artigo publicado em seu site de notícias, o "14ymedio".

Para Yoani, os cubanos podem aguardar "semanas de aclamações e homenagens", nas quais o regime cubano "se proclamará vencedor de sua última batalha". "[Mas] mesmo que Raúl Castro diga o contrário... este passo de hoje tem o sabor amargo da 'capitulação' [como se chama o acordo para a rendição de um Exército]", alfinetou a opositora.

Mário Bittencourt - 18.fev.2013/Folhapress
A blogueira cubana Yoani Sánchez durante visita ao Brasil em 2013
A blogueira cubana Yoani Sánchez durante visita ao Brasil em 2013

O jornalista cubano Alejandro González, 56, integrante do chamado "Grupo dos 75", formado por prisioneiros políticos detidos em 2003, comemorou a libertação do americano Alan Gross e o anúncio de que 53 prisioneiros cubanos também deixariam a prisão. Ele, contudo, diz saber que o regime deu este passo "mais movido pela necessidade que pela vontade".

"O governo cubano está numa situação econômica horrível, a Venezuela também passa por uma crise inédita. O governo cubano não tinha outra alternativa. Mas quero pensar que há um compromisso para avançar", disse à Folha González, que foi libertado em 2008 com outros três presos. Ele seguiu para a Espanha, onde vive até hoje.

Para González, é preciso saber agora se a aproximação com os EUA "se traduzirá em benefício para o povo cubano".

"O primeiro passo que o governo cubano tinha que dar é ratificar os pactos de direitos civis, econômicos, políticos e culturais como uma mensagem de boa vontade, e adequar sua legislação às normas internacionais, lançando uma nova Constituição, um novo marco jurídico para Cuba que garanta os direitos à população."

A exilada Elena Larrinaga de Luis, que dirige o Observatório Cubano de Direitos Humanos, em Madri, classificou este como um "momento histórico". "Mas não sabemos onde chegará, porque a gente sempre fica na dúvida sobre a vontade política real do regime cubano", disse, por telefone.

COMPLICADÍSSIMO

O historiador cubano Rafael Rojas, residente no México, avalia que a retomada das relações entre os dois países é um "marco" na história do continente e que acaba com as diferenças no âmbito diplomático, mas não põe fim ao conflito histórico entre EUA e Cuba. "Este subsistirá enquanto persistir em Cuba um regime não democrático", disse.

Para ele, a normalização diplomática entre os dois países será "complicadíssima" e cheia de obstáculos e resistências –tanto em Havana como em Washington. "Os dois governos deveriam tratar de reduzir os entraves por meio da interlocução com suas respectivas oposições", defende Rojas.

O grupo opositor Damas de Branco, formado por mulheres, mães e filhas de presos políticos, usou sua conta no Twitter para criticar o acordo entre os dois países.

"Sr. presidente Obama, os espiões cubanos são culpados e foram julgados pela Justiça norte-americana por assassinar dois cidadãos americanos. (...) A decisão de libertar os três espiões é um erro que prejudica a segurança dos EUA e a causa da liberdade de Cuba", disse o grupo.

Para as Damas, é preciso que Castro se manifeste sobre todos os presos políticos do país. "Havana e os EUA normalizaram relações. Quando o regime cubano normalizará suas relações com o povo?", questionou o grupo.


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