Folha de S. Paulo


Análise: Massacre do Taleban em escola é recado sombrio

A chacina dos inocentes de Peshawar é um telegrama enviado de uma realidade que o Ocidente prefere considerar como prioridade estratégica abandonada: a crise sem fim do Paquistão.

É naquele país do sul asiático que se concentra o legado sombrio da antiga "guerra ao terror", hoje convertida em ataques aéreos a alvos do Estado Islâmico na Síria e Iraque e reações a malucos armados como ocorreu na segunda (15) em Sydney.

Ao retirar suas tropas principais este ano do vizinho Afeganistão, o local onde Osama bin Laden se escondia quando planejou os ataques do 11/9/2001 nos EUA, o governo Obama retirou de vez a região de seu topo de agenda estratégica.

Não que não faça sentido, pensando como um americano: a fila dos problemas andou. A morte de Osama em solo paquistanês, em 2011, deu o argumento simbólico definitivo para o fim daquela década de guerra. Para quem ficou para trás, contudo, a matança continua.

O Taleban paquistanês é um grupo parente do seu homônimo afegão, mas bem diferente na concepção. O Taleban afegão, com todos os horrores que praticou quando transformou o governo de Cabul em um emirado islâmico de 1996 a 2001, era uma tradicional guerrilha em busca de controle territorial.

Os membros do Taleban são da etnia pashtun, majoritária no país e nas áreas tribais vizinhas do Paquistão. A fronteira entre eles é uma invenção colonial britânica, e a geografia acidentada torna a região extremamente porosa e o intercâmbio entre as diversas tribos da etnia é constante.

Assim, diversos grupos militantes, que surgiram incentivados pelos serviços secretos do Paquistão para ajudar a combater a grande rival Índia, acabaram amalgamados sob a bandeira do Taleban paquistanês.

Houve inspiração e ajuda do outro lado da fronteira, mas os objetivos e métodos sempre foram diversos. Tanto é assim que hoje os fundamentalistas tribais preferem se identificar ideologicamente com o Estado Islâmico, enquanto o Taleban afegão segue como uma ator político mais ou menos institucional.

Sob pressão americana depois do 11/9, o Paquistão passou a lutar uma guerra contra suas antigas crias. O resultado é uma campanha de terror que não acaba: estima-se que até 50 mil civis tenham morrido no país desde que a "guerra ao terror" começou, a maioria vítima de atentados como o desta terça (16).

É quase o dobro do número de vítimas no Afeganistão, onde a guerra foi aberta, segundo contas do site Cost of War, que reúne dados de diversas fontes para estimar o custo humano e econômico dos conflitos.

Com tudo isso, é tentador ver uma repetição em forma de tragédia do que aconteceu após a Guerra do Afeganistão (1979-89). Os EUA ajudaram as guerrilhas islâmicas a desgastar até a retirada a União Soviética do país, só para abandoná-las à própria sorte. Resultado: guerra civil e ascensão do Taleban.

Contudo, o momento histórico hoje é outro, e não há uma disputa real pelo poder no Paquistão. Por mais que o Estado não controle as áreas tribais, não é factível achar que os militantes irão tomar Islamabad e proclamar seu califado. O que sobra é o morticínio pelo morticínio.


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