Folha de S. Paulo


Desgastado, Peña Nieto, presidente mexicano, faz pacote de reformas

Em fevereiro, a revista americana "Time" dedicou sua reportagem de capa a Enrique Peña Nieto. Sob o título "Saving Mexico" (salvando o México), a publicação descrevia o presidente como o homem que mudara "a narrativa de uma nação manchada pelo narcotráfico".

Poucos meses depois, essa imagem estampa os cartazes que os mexicanos levam às ruas para protestar pelo desaparecimento de 43 estudantes no Estado de Guerrero, em setembro, aparentemente em ação conjunta entre administração municipal, polícia e crime organizado.

Agora, a imagem surge alterada numa colagem humorística e grotesca. Nela, EPN (como é chamado) tem a cara ensanguentada e segura nas mãos a foice da morte, e o título virou "Slaying Mexico" (exterminando o México).

Advogado com pinta de ator, Peña Nieto, 48, foi eleito pelo PRI (Partido Revolucionário Institucional) em julho de 2012, com a promessa de fazer uma série de reformas e pôr ponto final no conflito com o crime organizado –iniciado em 2006 pelo governo do conservador Felipe Calderón (PAN) e que já causou mais de 60 mil mortes.

O começo foi animador. Por acordo com a oposição, chamado de Pacto pelo México, Peña Nieto alcançou a maioria no Congresso. A manobra permitiu mudar a Constituição, aprovar a reforma energética –privatizando parte da produção e distribuição de petróleo– e a das telecomunicações, além de um pacote de medidas econômicas, trabalhistas e políticas.

O país reforçou laços comerciais com os EUA e engajou-se na Aliança do Pacífico, que reúne Colômbia, Chile e Peru, experiência considerada exitosa por derrubar barreiras comerciais regionais. A economia crescia a 4%; falava-se num "mexican moment" (momento mexicano).

Duas operações bastante midiáticas também ajudaram a melhorar a imagem do governo: as prisões da líder sindical Esther Gordillo, acusada de corrupção, e do chefe do cartel de Sinaloa, um dos mais poderosos do país, Joaquín "Chapo" Guzmán.

DESGASTE

Mas a lua de mel durou pouco. Na semana passada, quando Peña Nieto fez dois anos no poder, pesquisas expuseram o tamanho do desgaste causado pela tragédia de Guerrero e pela desaceleração econômica. Em vez do crescimento prometido de 6%, o PIB mexicano só alcançará, em 2014, magros 2,5%.

O nível de aprovação do presidente caiu de 50% para 41% (segundo pesquisa do "El Universal"/Buendía & Laredo). Enquanto isso, o Pacto pelo México ruiu devido a desacordos com o esquerdista PRD, que se posicionou contra a reforma energética.

Como se não bastasse, a corrupção voltou a ganhar manchetes. Primeiro foi a mulher de Peña Nieto, Angélica Rivera, acusada de comprar uma casa no valor de US$ 7 milhões. O imóvel teria sido vendido por um empresário acusado de favorecimento em licitações do governo.

Na última quinta, foi a vez de Luis Videgaray, ministro da Fazenda, ser o alvo de denúncias. Segundo o "Wall Street Journal", também ele teria comprado imóvel num condomínio de alto luxo perto da Cidade do México.

Num vídeo que viralizou nas redes, Rivera afirma que recebeu a quantia licitamente ao longo de sua carreira artística (ela foi atriz de novelas da gigante Televisa).

Para Alfonso Zarate, professor de sociologia da Unam (Universidade Autônoma do México), o prestígio internacional que havia sido ganho com as reformas se dissipou.

"A realidade se impôs. Não há outro remédio senão reconhecer a violência, a corrupção e as extorsões por parte do crime organizado, que muitos mexicanos sofrem no dia a dia", afirma ele.

PACOTE DE REFORMAS

Na tentativa de responder aos protestos pelos desaparecidos em Ayotzinapa (Guerrero), que têm levado milhares de pessoas às ruas das cidades mexicanas, Peña Nieto lançou um pacote de reformas na área de segurança.

A principal medida é desautorizar as polícias municipais e centralizar a inteligência das ações contra o tráfico na esfera federal –no caso de Ayotzinapa, o prefeito de Iguala e sua mulher são acusados de ter entregado os estudantes ao narcotráfico.

Também será lançada uma nova cédula de identidade que facilite reconhecer corpos e um sistema nacional de busca de pessoas não localizadas –o número de desaparecidos, segundo dados oficiais, chega a quase 30 mil.

O pacote de medidas recebeu críticas. Para Juan Manuel Vivanco, da ONG Human Rights Watch, "é difícil levá-lo a sério, porque boa parte das medidas anunciadas já deveria estar em curso".

Peña Nieto também lançou um plano de industrialização dos Estados do sul do país, mais pobres e vulneráveis à ação do narcotráfico. Para o analista político John Ackerman, a solução é equivocada.

"O presidente sinaliza que o modelo que vê para o país é o dos Estados da fronteira norte, com suas infames 'maquiladoras'. O pacote é uma combinação de esmola, mordidas e repressão", resumiu.

No front econômico, Peña Nieto também coleciona derrotas. O crescimento do PIB a 6% virou ilusão com a desaceleração da economia dos EUA, e a queda do preço do petróleo derrubou a Bolsa.

Em 2015, haverá eleições para renovar o Congresso, e o maior desafio do presidente é evitar que o PRI perca a maioria em ambas as Casas.


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