Folha de S. Paulo


Opinião: Mudando de lado na guerra às drogas

Uma das vítima da guerra às drogas foi o estudo de substâncias proibidas para fins terapêuticos. Mas, agora, a percepção acerca disso está mudando, e drogas como maconha e cogumelos psicoativos voltaram a ser vistas com seriedade, após um longo desterro científico.

Cogumelos com psilocibina, que os EUA criminalizaram em 1968, estão sendo reexaminados para aplicações médicas. Um recente estudo do King's College, de Londres, descobriu que cérebros que receberam psilocibina apresentavam diferenças nos padrões de conectividade entre as regiões corticais, que supostamente desempenham um papel na consciência, relatou a repórter Eugenia Bone no "New York Times".

Os pesquisadores suspeitam que essas conexões causam sensações como escutar as cores ou enxergar os sons, descritas nas "viagens" de quem come os cogumelos mágicos.

O líder do estudo, Paul Expert, disse que esses novos padrões e as mudanças temporárias na função cerebral são motivo de esperança para novos tratamentos. "Pessoas que sofrem de depressão ficam presas em uma espiral de pensamentos negativos", disse Expert ao "NYT". "Romper qualquer padrão que esteja impedindo um funcionamento 'adequado' do cérebro pode ser útil."

O movimento pela legalização da maconha em muitos Estados dos EUA começou sob o pretexto do uso medicinal da erva, para tratar estresse, glaucoma, náuseas da quimioterapia e diversos outros males.

Uma cepa de maconha com baixíssimo teor do ingrediente ativo está ganhando força como tratamento contra a epilepsia e outras convulsões, segundo o "NYT".

Nos últimos anos, centenas de famílias com filhos epiléticos se mudaram para o Colorado a fim de experimentar um óleo feito com plantas cultivadas por cinco irmãos de sobrenome Stanley.

A Fundação Nacional de Epilepsia defende que essa variedade -chamada "Teia de Charlotte", em alusão a uma menina que teve suas convulsões controladas- fique disponível para todos os pacientes. A lei federal ainda proíbe seu comércio para fora do Estado, mas um projeto de lei apresentado no começo de novembro propõe mudar isso.

"Tomara que as autoridades não queiram tirar o remédio de crianças doentes", disse Jared Stanley, 27, ao "NYT". "Mas, se forem fazer isso, estamos aí. Se é para ir em cana, está aí uma coisa pela qual vale a pena."

Quando se trata de drogas ilícitas no esporte, as regras também são turvas. O doping -palavra supostamente derivada de "dop", bebida estimulante consumida por povos nativos da África do Sul- é tão antigo quanto o próprio esporte, conta Alex Hutchinson no "NYT". Atletas gregos antigos comiam cogumelos mágicos; os tarahumaras, tribo corredora do norte do México, usavam o peiote para aumentar a resistência.

O caso do ciclista sul-africano Daryl Impey -primeiro piloto do seu continente a vestir a camisa de líder no Tour de France, mas que depois teve um resultado positivo para uma substância que foi proibida por mascarar outras drogas -só é notável por ele ter sido posteriormente inocentado, escreveu Hutchinson.

O farmacêutico de Impey havia lhe vendido cápsulas vazias contaminadas com a substância proibida, que ele então encheu com o seu estimulante preferido (e legal), o bicarbonato de sódio.

"O espírito do esporte diz que jogamos conforme as regras", escreveu Hutchinson. "Por isso formulamos uma lista de drogas proibidas, para que os atletas possam competir sem colocar a saúde em risco. Ao mesmo tempo em que aceitamos que a lista será até certo ponto arbitrária e sujeita a debate, punimos os dopados por terem trapaceado."

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