Folha de S. Paulo


EUA tentam barrar difusão de vídeo de alimentação forçada em Guantánamo

A administração Obama vai pedir a um tribunal federal de apelações que revogue a decisão de uma juíza exigindo a divulgação pública de vídeos que mostram a controversa alimentação forçada, através de tubos, de prisioneiros de Guantánamo em greve de fome.

A longamente aguardada decisão do Departamento de Justiça, registrada em tribunal na terça-feira (2), foi anunciada dois meses depois de a juíza Gladys Kessler, do tribunal distrital federal de Washington, decidir que o governo tem razões convincentes para impedir o público de ver imagens da alimentação forçada de um detento sírio e de sua retirada de uma cela.

Mladen Antonov - 8.abr.2014/AFP
Detento é visto caminhando em área reservada para exercícios no Campo 6 de Guantánamo
Detento é visto caminhando em área reservada para exercícios no Campo 6 de Guantánamo

O recurso do Departamento de Justiça chegou juntamente com um pedido para que Kessler mantenha sua decisão sobre a revelação das imagens por tempo indeterminado.

"Não existe direito público qualificado de acesso a informações classificadas apresentadas como evidências ligadas a uma moção por uma ordem judicial num procedimento de habeas", escreveu um grupo de advogados em sua moção na terça, acrescentando que o governo quer "incrementar sua declaração com evidências adicionais" perante o tribunal de apelações.

O governo rejeita a ideia de que a alimentação forçada de prisioneiros constitua uma violação dos direitos deles, mas argumenta que a divulgação das fitas arriscaria "afetar adversamente as condições de segurança no Afeganistão e Iraque".

O recurso põe em risco uma decisão judicial sobre transparência que ativistas de direitos humanos consideraram ser uma vitória, por revelar uma prática em Guantánamo que vem atraindo críticas internacionais. O recurso renova o que advogados consideram ser um conflito entre a Primeira Emenda constitucional e a segurança nacional.

"Me pergunto quantas vezes o presidente vai zombar de sua promessa de comandar a administração mais transparente da história, antes que o cobremos por isso", comentou Cori Crider, do grupo de defesa dos direitos humanos Reprieve, que assistiu aos vídeos em sessões fechadas do tribunal quando representava o prisioneiro sírio Abu Wa'el Dhiab.

O "Guardian" faz parte da coalizão de veículos de imprensa que participaram da ação judicial pedindo a divulgação dos vídeos.

Consta que mais de 30 fitas de vídeo, abrangendo 11 horas, mostram explicitamente Dhiab sendo submetido a um tratamento que ele afirma ser tão doloroso que pode ser equiparado à tortura.

No mês passado, Dhiab perdeu uma audiência inusitada no tribunal da juíza Kessler pedindo uma ordem judicial para suspender a alimentação forçada e sua retirada forçada da cela, medidas que, segundo ele, representam uma pressão punitiva e medicamente desnecessária exercida por autoridades de Guantánamo para acabar com uma greve de fome feita em protesto à sua detenção de longo prazo sem acusação criminal.

A própria existência das fitas tinha sido mantida em sigilo até a ação judicial de Dhiab. No mês passado, com a possibilidade iminente de divulgação de versões censuradas das fitas, o comandante da força-tarefa de detenções, almirante Kyle Cozad, proibiu a filmagem das sessões de alimentação forçada, argumentando que as fitas criam o risco de revelar práticas militares operacionais.

Mas Cozad disse à AFP que as sessões de alimentação vão continuar "para conservar a saúde da população de detentos". Há mais de um ano as autoridades de Guantánamo deixaram de divulgar informações sobre quantos dos 142 detentos remanescentes ainda estão fazendo a greve de fome.

Crider comparou as fitas a imagens das sessões de tortura em Abu Ghraib, no Iraque, do massacre de My Lai, na guerra do Vietnã, e do espancamento de Rodney King em Los Angeles, dizendo que esses foram casos de "momentos de importância maior na história dos Estados Unidos em que um debate inteiro mudou devido a uma imagem".

Num discurso em maio de 2013, o presidente Obama aludiu à alimentação forçada que sua administração continua a praticar, perguntando: "É isto que nós somos? Isto é algo que os fundadores deste país previram? É esta a América que queremos deixar para nossos filhos? Nosso senso de justiça é mais forte que isso."

Crider disse que, sem as fitas serem levadas a público, "como podemos ter essa conversa sobre se isso é o que nós, como americanos, vamos fazer em 2014?".

Tradução de CLARA ALLAIN


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