Folha de S. Paulo


Silêncio do Brasil é igual a cumplicidade, afirma venezuelana

Tida como uma das mais incisivas figuras da oposição ao presidente venezuelano, Nicolas Maduro, a deputada cassada María Corina Machado deve se apresentar na manhã desta quarta-feira (3) ao Ministério Público de Caracas para responder à acusação de magnicídio.

Ela é acusada de ter conspirado para assassinar Maduro no início deste ano, quando a Venezuela foi estremecida por protestos estudantis.

Especula-se que a deputada cassada poderá ser presa imediatamente, seguindo os passos de Leopoldo López, detido desde fevereiro por suposta incitação aos protestos.

Carlos Garcia Rawlins/Reuters
A deputada cassada María Corina Machado durante uma entrevista coletiva em Caracas
A deputada cassada María Corina Machado durante uma entrevista coletiva em Caracas

Em entrevista à Folha, na véspera de sua apresentação, Corina Machado disse estar mais preocupada com os rumos da Venezuela do que com sua própria situação.

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Folha - Como se sente antes da apresentação à Justiça?

María Corina Machado - Estou tranquila, serena e confiante de que a verdade prevalecerá, independentemente do que ocorrer comigo.

A senhora teme ser presa?

Recebemos ameaças terríveis, por SMS e por telefone, meus filhos, meus colaboradores e eu. A polícia política me segue o tempo todo. Apagam a luz dos comícios que fazemos no interior. As companhias aéreas estatais não me vendem passagens.

Tenho medo de que a destruição do país siga adiante, crianças continuem morrendo nos hospitais por falta de remédio, mulheres que querem comprar leite continuem sendo humilhadas com marcas no braço [para fazer fila]. Isso me aterroriza. Além disso, me acusam pelo que há de pior, que é homicídio de um presidente. Tudo isso é falso, e as provas são forjadas.

Por que a convocação agora?

Porque o governo está mais fraco do que nunca. A crise econômica é insustentável. Diante do descontentamento, querem calar quem enfrenta o regime com firmeza.

Além disso, avançamos muito na criação da nossa plataforma, o Congresso Cidadão pela Reconstrução Nacional. Estou impedida de sair do país há seis meses, mas cruzei várias vezes a Venezuela. A energia dos encontros com a população e com políticos foi espetacular. O governo tem pavor da ideia de uma estrutura de baixo para cima na qual os venezuelanos, não somente os partidos, se unam ao esforço para construir uma visão alternativa.

Outra razão envolve o Conselho Nacional Eleitoral [TSE venezuelano]. O regime quer renovar a diretoria e pretende impor figuras inaceitáveis. É uma bofetada na cara do país dizer que pessoas como Tibisay Lucena ou Sandra Oblitas [atuais ocupantes do CNE], claras representantes do governo, continuarão no cargo.

Fui ao CNE e disse que não só não podem voltar a se candidatar como precisam renunciar. Em menos de cinco horas, a polícia política foi à minha casa [com a intimação por tentativa de magnicídio].

Na Venezuela, há uma ditadura militarista profundamente corrupta permeada pelas máfias e pelo narcotráfico.

O que espera do Brasil?

O país tem inquestionável liderança política na região. Suas instituições funcionam. Há autonomia de Poderes e respeito às práticas democráticas. Mas é inconcebível que não haja coerência entre as política interna e externa. O Itamaraty tem influência sobre o regime de Maduro, que busca espaços internacionais para legitimar violações.

O Brasil deve dizer a verdade. Há uma carta democrática interamericana que assinamos na OEA, e a Venezuela a viola de maneira sistemática. O relatório da ONU sobre torturas no país é devastador. Espero que Dilma Rousseff leia esse relatório. Indiferença hoje equivale a cumplicidade. A história julgará.

Protestar é a melhor maneira de pressionar o governo?

É indispensável. Este regime não é democrático. Não há separação de Poderes, liberdade de expressão. Direitos humanos são violados. Não há respeito à propriedade privada. Torturam estudantes. Há presos políticos, perseguição. Fui a deputada mais votada, mas me cassaram porque lhes deu vontade. Ditaduras têm de ser enfrentadas todo dia em todos os níveis democráticos. Somos uma enorme maioria que enfrenta um sistema eleitoral perverso. Precisamos de uma vitória politica antes de uma vitória eleitoral.

Onde estão os protestos?

Por todo o país, mas não aparecem. É evidente, não na mesma escala que os do inicio do ano: afinal, a repressão foi brutal e ainda há mais de cem presos. A Venezuela não mudará enquanto Maduro estiver no poder. Há mecanismos constitucionais e pacíficos pelos quais ele pode sair. O Brasil levou a cabo o impeachment de Collor. E o que ele fez não é uma fração do que faz Maduro.

Vislumbra alguma possibilidade de Maduro renunciar?

Ninguém acreditava que [o peruano Alberto] Fujimori renunciaria [em 2000]. Até os piores ditadores entendem que forças democráticas conjugadas à consciência internacional podem tornar inevitável a transição democrática.

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RAIO-X
María Corina Machado Parisca

NASCIMENTO
7.out.1967 (47 anos), em Caracas

FORMAÇÃO
Engenharia de produção, com especialização em finanças

CARREIRA POLÍTICA
Em 2002, fundou a ONG Súmate, que tentou abreviar o mandato de Hugo Chávez (1954-2013) via referendo. Deputada mais votada em 2010, foi cassada neste ano


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