Folha de S. Paulo


Favorito em eleição no Uruguai é visto como 'orgulho do subúrbio'

Pablo Porciunula/AFP
Tabaré Vázquez, candidato da Frente Ampla, que deve vencer a eleição no Uruguai neste domingo (30)
Tabaré Vázquez, candidato da Frente Ampla, que deve vencer a eleição no Uruguai neste domingo (30)

"É o orgulho do subúrbio, mas também exemplo de alguém que venceu do lado rico da cidade. O maior mérito de Tabaré Vázquez é unir o Uruguai, mais que os 'blancos' e o próprio Mujica."

A opinião de Hugo Viana, 68, vendedor de ovos numa esquina da praça Lafone, é a de muitos na zona portuária de Montevidéu.

Há 40 anos, Vázquez, quarto filho de um trabalhador petrolífero, ganhou uma bolsa e saiu do bairro de classe média baixa de La Teja para cursar medicina em Paris. Queria estudar o câncer, doença que matara os pais.]

Hoje, após concorrer três vezes à Presidência e ocupar o cargo por um mandato (2005-2010), Vázquez vive no bairro nobre de El Prado e possui, no centro da cidade, a clínica de oncologia mais importante do Uruguai.

Ainda visita, porém, o bairro em que nasceu, conversa com os aposentados que se reúnem no clube social Arbolito (onde também vota a cada eleição) e acompanha os resultados do Club Atlético Progreso, time onde jogou o avô e do qual ele mesmo foi presidente nos anos 80.

"Não é bom jogador, não. Acho que ele se dá melhor detrás da mesa, com um jaleco branco ou uma caneta na mão", diz o adolescente Ruben, 14, que jogava bola na rua, vestindo as cores do clube (vermelho e amarelo), na tarde da última quinta-feira.

Vázquez é o favorito para vencer o segundo turno das eleições uruguaias, neste domingo (30). O primeiro líder socialista eleito no país, em 2004, interrompendo uma hegemonia de 170 anos dos partidos Blanco (centro) e Colorado (centro-direita), agora é candidato a suceder seu sucessor, o ex-guerrilheiro José "Pepe" Mujica, 79, que deixa o cargo em março.

Segundo pesquisas divulgadas na última quinta, Vázquez deve obter de 52% a 54% dos votos, com ampla diferença sobre o rival, Luis Lacalle Pou, 41, do Partido Nacional (Blanco) que não deve passar de 40%. Lacalle Pou, que no início da campanha chegou a estar em empate técnico com o ex-presidente, não conseguiu crescer o esperado.

TABARÉ X MUJICA

Apesar de terem militado juntos durante a ditadura uruguaia (1973-1985) e serem ambos referências da coalizão de esquerda Frente Ampla, Tabaré, como é conhecido por apoiadores, e Mujica são de vertentes diferentes.

De formação socialista mais clássica, o primeiro inspira-se na social-democracia europeia. Mujica está mais ligado a lideranças sindicais e aos que se engajaram na luta armada contra a ditadura.

O modo de relacionar-se com o regime militar também os opõe. Enquanto Vázquez foi um dos opositores da lei de anistia (Ley de Caducidad) e promoveu amplos julgamentos durante seu período na Presidência, Mujica adota tom mais contemporizador e evita o discurso revanchista.

Enquanto o atual mandatário renunciou a benefícios e luxos da vida de presidente e prega uma vida modesta, Tabaré Vázquez sempre gostou de ostentá-los. Também foi acusado de abusar do cargo para beneficiar parentes, como o irmão Jorge Vázquez, que ocupou cargo na Presidência durante sua gestão.

Os dois também diferem no visual. Enquanto Vázquez veste-se de forma elegante e tem fama de galanteador, Mujica adota o estilo caseiro, deixando-se fotografar usando velhos abrigos e chinelos.

As divergências também existem com relação às leis de direitos civis aprovadas por Mujica. Quando presidente, Vázquez votou contra o aborto, tentando reunir assinaturas para frear a decisão.

Já com relação à maconha, o ex-presidente crê que é possível amenizar alguns pontos no que diz respeito à produção e distribuição. Ele não vê com bons olhos a venda em farmácias, como sugere a lei.

Porém, quando questionado nesta semana, Vázquez disse que não faria nada para revogar as leis, por ser "antes de tudo um legalista".

OPOSIÇÃO

Os opositores da Frente Ampla também levantaram a voz na última semana. O ex-presidente colorado Julio Maria Sanguinetti (1995-2000) disse que o partido estava se transformando "num peronismo, fazendo de tudo para permanecer no poder".

Somando as gestões de Vázquez e Mujica, e concretizando-se o terceiro mandato hoje, a Frente Ampla terá ficado 15 anos no poder.

"A máquina do Estado foi usada na propaganda. Mujica não deveria ter feito campanha, ele é o presidente de todos os uruguaios", disse Lacalle Pou, que vem assumindo um discurso derrotista.

Nas ruas de La Teja, que a Folha visitou na quinta, o entusiasmo dos ativistas era grande. Na mesma praça Lafone, havia distribuidores de bandeiras e santinhos do candidato da Frente Ampla em três de suas esquinas. "Vamos até domingo, mesmo sabendo que a vitória é quase certa", disse Lourdes Maria, 65, militante da Frente desde sua fundação, nos anos 70.

MELHORIAS ECONÔMICAS

Em La Teja e no bairro vizinho de El Cerro, que dão de cara para o porto, estão as marcas mais evidentes da queda da pobreza urbana do Uruguai nos últimos dez anos.

"Muitas das casas eram de lata, e algumas partes voavam com os ventos do rio. Hoje temos construções de melhor qualidade", diz Lourdes.

Tendo assumido logo após a crise de 2002, Vázquez conseguiu reorganizar a economia e recolocar o país no rumo do crescimento, aproveitando o aumento das exportações de soja à China.

A pobreza caiu de 40% a 11% e o desemprego estacionou em 6%, enquanto se priorizaram políticas de maior acesso a saúde e educação.

"Essa é a metade do copo cheia. A metade vazia é que não se fizeram investimentos de infraestrutura para enfrentar o novo panorama mundial", diz o economista Javier de Haedo, ex-subsecretário de Economia e Finanças.

"Tabaré receberá um país com as contas em ordem, dívida sustentável, grau de investimento estrangeiro bom (5% do PIB), mas a conjuntura internacional apresentará desafios", avalia a diretora do Instituto de Ciências Econômicas da Universidade da República, Gabriela Mordecki.


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