Folha de S. Paulo


Fiscalizar maconha será difícil, diz líder dos produtores no Uruguai

Um pequeno quintal cercado por um muro recém-construído e uma estufa improvisada nos fundos. Assim funciona a Movida Cannabica Florida, um dos primeiros clubes de cultivo de maconha legalizados no Uruguai, que mantém plantas de 18 associados, identificados e liberados para produzir e consumir o que produzem.

"Deixamos de ser delinquentes para nos transformar em sommeliers", diz à Folha o responsável pela associação e presidente da Federação Nacional de Canabicultores do Uruguai, Julio Rey, 41. "Os clubes de cultivo permitem que cuidemos de cada detalhe do processo, das condições para o crescimento da planta, da qualidade do produto. Isso quase se transforma em algo mais importante do que consumir a droga."

Lançada pelo presidente José "Pepe" Mujica e aprovada no ano passado pelo Congresso, a lei da maconha prevê que o Estado cuide da produção, da distribuição e da venda da droga, cujo consumo no país já não era penalizado desde os anos 70.

Thea Severino/Folhapress
Julio Rey, presidente da Federacão Nacional de Cannabicultores do Uruguai
Julio Rey, presidente da Federacão Nacional de Cannabicultores do Uruguai

Inicialmente, regulamentou-se o limite de plantas que um indivíduo pode possuir, apenas seis. A seção da lei que estabelece os clubes de cultivo foi liberada no fim de outubro, quando eles começaram a ser registrados. Nessas organizações, os usuários se reúnem para produzir juntos uma quantidade determinada de plantas.

Os clubes conferem a tarefa de cuidar das plantas aos produtores, que pagam mensalidade. As entidades devem prestar contas dos requisitos para a produção, que envolvem os produtos usados e as condições de cada cultivo.

"Será difícil fiscalizar esses limites e observar essa produção, vai depender muito da nossa boa vontade de fazer tudo certo", admite Rey.

Um terceiro e mais polêmico ponto, que trata da distribuição e venda em farmácias, ainda está por ser regulamentado, o que deve acontecer no começo do ano que vem.

"Com o contrato reconhecido e a identificação dos sócios, o clube pode manter de 15 a 40 associados e, no máximo, 99 plantas. A lei permite o porte de apenas 40 gramas, mas, se você for sócio do clube, pode carregar sem limites. As vantagens são muitas", explica Rey.

DISPUTA DE CONTRATOS

O produtor é um dos que disputam, agora, os contratos para a distribuição em larga escala para o comércio nas farmácias, onde a droga será vendida em formato de cigarros. Essa parte da legislação é a que mais críticas atrai.

"Por que eu compraria numa farmácia, expondo-me como um doente? Vou preferir ir ao mercado negro, não quero a indústria farmacêutica como intermediária", diz Juan Andrés Palese, dono da Urugrow, loja de insumos para a produção de maconha, em Montevidéu.

O secretário-executivo da Junta Nacional das Drogas, Julio Calzada, disse que ainda não pode anunciar como serão definidos critérios sobre quem poderá produzir comercialmente. "Temos recebido inúmeras consultas para produzir maconha em todo o país, e conversado com uruguaios residentes no país e no Exterior."

A lei não permite que estrangeiros produzam ou consumam maconha no Uruguai.

Em setembro, o candidato favorito para vencer a eleição presidencial de domingo (30), o esquerdista Tabaré Vázquez (Frente Ampla), causou polêmica ao afirmar que o registro dos usuários pode ser usado para formular políticas para tratar de viciados.

"Vamos poder entender quem está envolvido com drogas e fornecer tratamentos de reabilitação desde um estágio inicial", afirmou o ex-presidente, que também é médico oncologista.

"Tabaré não parece ter entendido a lei", diz Rey. "O registro não é para isso, mas para controlar abuso da substância. A legislação não fala em reabilitar quem consome os 40 gramas que estão liberados", completa.

Em entrevista à Folha, publicada na terça (26), Mujica disse que os percalços e problemas pontuais para colocar a legislação em prática eram previstos. O mandatário defende que a legalização da erva colabora ao fornecer uma alternativa às políticas de repressão ao narcotráfico.


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