Folha de S. Paulo


Não indiciamento de policial é retrato fiel do abismo racial que há nos EUA

O não indiciamento do policial branco Darren Wilson pela morte de Michael Brown, 18, negro e desarmado, foi previsível, mas perturbador.

Nos EUA, quando um homem negro desarmado é morto por um branco armado, especialmente um policial, o resultado tende a ser injustiça.

Alguns casos chegam a ir a julgamento. Tome-se o caso do adolescente desarmado Trayvon Martin, que em 2012 foi baleado e morto por George Zimmerman, um segurança voluntário mestiço (pai branco e mãe hispânica) em uma comunidade de classe média na Flórida. Um júri de cinco mulheres brancas e uma hispânica o absolveu.

No caso de Wilson, os integrantes do "grand jury" (júri para decidir sobre o indiciamento) foram escolhidos entre moradores não de Ferguson, onde ocorreu a morte e 70% dos habitantes são negros, mas do muito mais rico condado de Saint Louis, cuja população é 70% branca.

Por isso, foi composto por nove jurados brancos e três negros. Como precisava de nove votos para absolver Wilson, a composição pode ter beneficiado o policial.

Depoimentos conflitantes também explicam o veredito. Algumas testemunhas corroboraram o relato de Wilson, segundo o qual ele disparou em Brown depois que parou de fugir e começou a investir contra o policial.

Outras disseram que Brown parou a uma distância grande, não investiu contra Wilson e, em vez disso, pôs as mãos ao alto.

Mesmo que aceitemos o depoimento de Wilson, algumas perguntas se impõem. Por que ele não feriu Brown na perna, em vez de na cabeça?

Por que o júri não acusou Wilson de homicídio não intencional, provocado por descaso, semelhante ao de um motorista embriagado?

Os negros que vêm protestando contra o veredito sabem que a resposta a essas perguntas está ligada à discriminação racial e à injustiça que ela gera.

Eles sabem que policiais brancos param um número desproporcional de pedestres e motoristas negros, em alguns casos prendendo-os por simples posse de maconha.

Isso ajuda a explicar por que, enquanto 13% da população americana é negra, 40% dos detentos no país são afroamericanos.

Essa injustiça é a razão pela qual a falta de confiança dos negros na polícia e nos tribunais é tão onipresente, criando um abismo racial.

O abismo explica uma pesquisa do "Huffington Post", segundo a qual 62% dos negros entrevistados consideram Wilson culpado pela morte de Brown, e só 22% dos brancos têm essa opinião.

MICHAEL KEPP, 64, jornalista americano radicado no Brasil, é autor de "Tropeços nos Trópicos - Crônicas de um Gringo Brasileiro" (Record)


Endereço da página: