Folha de S. Paulo


No Equador, Rafael Correa busca mandato ilimitado

O equatoriano Rafael Correa, 51, é o terceiro presidente latino-americano a fazer avanços, em 2014, na tentativa de ficar mais tempo no poder do que o estabelecido pela legislação.

Em janeiro, o Congresso nicaraguense aprovou uma mudança constitucional permitindo que o presidente Daniel Ortega apresente-se indefinidamente ao cargo.

Em abril, foi a vez de o Tribunal Constitucional da Bolívia permitir que Evo Morales se candidatasse a um terceiro mandato, apesar do veto da Constituição de 2009.

No último dia 31, a Corte Constitucional equatoriana deu aval para que fosse à Assembleia Nacional a proposta do governo de retirar o limite de mandatos da Carta.

Como Correa, no poder desde 2007 (terceiro mandato), possui maioria na Casa (100 das 137 cadeiras), a aprovação é tida como certa. A lei prevê que se vote o texto em um ano. A próxima eleição será em 2017.

REFORMAS

A proposta integra pacote de reformas que inclui aumentar a participação das Forças Armadas em questões de segurança interna, a limitação de assuntos que podem ser tema de consulta pública, a diminuição da idade mínima para concorrer à Presidência e a categorização dos meios de comunicação como "serviço público".

Além disso, propõe-se um ajuste nas leis trabalhistas, restringindo o direito a folgas e a outros benefícios.

"A Constituição que Correa aprovou em 2006 se encontra hoje em processo de desmantelamento. Essa reforma confirma a guinada autoritária e caudilhista que o governo tomou nos últimos anos", disse em entrevista à Folha María Paula Romo, líder do esquerdista Ruptura 25 e membro da Assembleia Constituinte, que fez a nova Carta.

O governo argumenta que o pacote visa aperfeiçoar a legislação. "A Carta deve ser examinada continuamente", afirmou Correa em entrevista à televisão.

"As mudanças são ajustes técnicos, e não políticos, e visam ampliar a democracia", declarou o secretário da Presidência, Alexis Mera.

Partidos de oposição e organizações indígenas e estudantis preparam uma manifestação para o próximo dia 19, em Quito.

O objetivo é pedir que o pacote de reformas passe por um plebiscito e não vá diretamente à Assembleia.

No dia 17 de setembro, um protesto convocado por sindicatos e grupos indígenas levou milhares de pessoas às ruas em várias cidades.

NOVO E SURPREENDENTE

As manifestações terminaram de forma violenta, com 17 policiais feridos e dezenas de detidos.

Para Simón Pachano, da Faculdade Latinoamericana de Ciências Sociais de Quito, esses protestos são "algo novo e surpreendente, as primeiras expressões espontâneas contra Correa, e mostraram que acabou o medo, principalmente por parte dos estudantes".

Segundo pesquisa Cedatus-Gallup, Correa tem 60% de aprovação popular. Mas 65% dos equatorianos são contra a reeleição ilimitada e 73% apoiam a ideia de um referendo para decidir tal mudança na Constituição.

A popularidade de Correa está relacionada aos bons números da economia (projeção de 4% de crescimento do PIB em 2014, inflação de 4%), à redução da pobreza (de 32% em 2010 para 25% em 2014) e à estabilidade política.

Entre 1996 e 2006, o país teve nada menos do que dez presidentes, e a mera lembrança da insegurança política daqueles tempos é argumento dos equatorianos ao defenderem Correa.

Os programas de assistencialismo e de redução da pobreza promoveram a ascensão de milhares de pessoas à classe média.

Em 2003, havia 14% nesta faixa, hoje o índice é de 35%.

A queda do preço do petróleo, porém, ameaça essa política de alto gasto público (15%) em obras de infraestrutura (estradas, rodovias, pontes), em subsídios e em planos de assistência social.

GOVERNO X MÍDIA

O enfrentamento com a imprensa e as restrições à liberdade de expressão, porém, são apontados como os principais problemas do regime.

Correa promoveu a expropriação de canais de televisão e processos contra jornais que adotaram linha crítica em relação ao governo.

Além disso, aumentou o volume de publicidade estatal e aprovou, no ano passado, uma lei de comunicação que criou uma agência reguladora e estabeleceu o controle de conteúdos.

Em 2011, os três editores do maior jornal do país, "El Universo", foram condenados a três anos de prisão por publicar um editorial que acusava Correa de autoritário.

O autor do texto, Emílio Palacio, pediu asilo político em Miami, onde está até hoje.

"Não vou poder voltar tão cedo. Quando penso que as coisas acalmaram, recebo notificação de novos processos contra mim", disse Palacio à Folha. No início do ano, Correa exerceu pressão para que o cartunista Bonil publicasse retificação de uma charge.

No último dia 2, Correa rasgou, publicamente, um exemplar do jornal "La Hora" que trazia a manchete "Eles negaram a consulta popular", referindo-se à decisão da corte contra o plebiscito.

Em seus últimos discursos e pronunciamentos em cadeia nacional, Correa diz que há um avanço desestabilizador da direita.

"Estão coordenados e já têm estratégia de poder", disse, em discurso na praça São Francisco, em Quito, após um protesto. Em sua conta no Twitter, o presidente comparou sua situação aos ataques da oposição contra a presidente Dilma Rousseff nas últimas semanas da campanha.

"Fizeram isso com Dilma, esquentaram as ruas, ataques na imprensa. Buscam enterrar-nos, mas não entendem que somos semente, e que assim daremos mais frutos."


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