Folha de S. Paulo


Partidos 'espionam' eleitores nos EUA

Dentro de um galpão sem janelas, com paredes, teto e chão pintados de branco, cerca de 50 voluntários ligam sem parar para possíveis eleitores do Partido Democrata americano, em um subúrbio de Atlanta.

Eles selecionam quais eleitores merecem receber ligações personalizadas (em vez de mensagens gravadas), a partir do comportamento descoberto nas redes sociais.

Se você "curte" certos apresentadores de TV considerados mais à esquerda nos EUA, ou compartilha mensagens a favor do casamento gay ou da reforma imigratória, você é considerado um eleitor democrata potencial.

Se na conversa telefônica o eleitor demonstrar desânimo em comparecer nas eleições desta terça (4), que renovam a totalidade da Câmara e um terço do Senado americanos, ou dar sinais que pode votar nos republicanos,
o voluntário colocará seus dados em um aplicativo.

Eles vão parar em um mapa com GPS, usado pelos voluntários que fazem militância de porta em porta. Em seus celulares, saberão que casas devem visitar e onde não perder tempo.

A espionagem nas redes sociais dos hábitos políticos, culturais e de consumo dos eleitores vem crescendo desde 2008, quando um dos fundadores do Facebook, Chris Hughes, pilotou a campanha vitoriosa de Barack Obama nessas mídias.

A Folha conversou com integrantes das duas campanhas, que permitiram acesso ao trabalho dos voluntários desde que não revelassem suas identidades. As campanhas tampouco admitem que empresas como Google, Facebook, Netflix, Amazon ou Pandora vendem os dados dos seus consumidores para a confecção dos possíveis perfis políticos.

O uso desses hábitos se torna mais importante com o desânimo com que os americanos têm olhado para a política nacional: 42% dos eleitores se declaram independentes, número recorde desde 1983, segundo pesquisa do Gallup em janeiro. Apenas 31% se declaram democratas e 25%, republicanos.

Mas só de 35% a 40% dos americanos votam nessas eleições de "metade do mandato" presidencial (os deputados federais são eleitos a cada dois anos).

A aprovação do Congresso, de apenas 14% dos eleitores, também é um recorde negativo histórico. Os dois grandes partidos precisam não só estimular suas bases, cada vez menores, a votarem na terça (o voto não é obrigatório), como descobrir quem são os independentes.

Na Carolina do Norte, cerca de 10 mil voluntários do Partido Democrata estão batendo de porta em porta com mensagens já pré-ensaiadas, Mulher solteira desempregada? Há uma mensagem para ela. Casal de microempresários que comprou diversos livros sobre meio ambiente na Amazon? Idem.

Os republicanos, que costumam levar vantagem em sua base mais cativa (brancos e pessoas acima de 50 anos), estavam atrasados nesse domínio tecnológico, mas recuperaram terreno.

Em junho do ano passado, o Partido Republicano nomeou como seu chefe de tecnologia o ex-engenheiro do Facebook Andrew Barkett, para liderar um banco de dados que estuda o comportamento dos eleitores na rede e que mídias são mais eficientes para se espalhar uma mensagem eleitoral.

O candidato republicano ao Senado pelo Texas, John Cornyn, tem colocado anúncios na rede que aparecem para quem "curte" páginas que defendem o porte livre de armas ou revistas sobre rifles e munição.

Para o porta-voz do partido em Charlotte, Carolina do Norte, a espionagem digital economiza a militância tradicional, selecionando onde concentrar esforços, mas "gastar sola de sapato, bater de porta em porta e telefonar para todo mundo" ainda é fundamental.

Para um médico que tirou um dia de folga para ser voluntário democrata, a espionagem tem seus "dramas". "Quando vi que sabíamos quem tinha filho em idade escolar, quem compra o livro A ou B, achei meio assustador. Alguns eleitores ficam bravos se não formos discretos".


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