Folha de S. Paulo


Guerra entre governo e jornal Clarín se intensifica na Argentina

Neste mês o governo argentino rejeitou o plano voluntário de desmembramento do Grupo Clarín, a maior empresa de comunicação do país.

O presidente da Autoridade Federal de Serviços de Comunicação (Afsca), Martín Sabbatella, considera que, pela forma como foram divididas as empresas entre os donos, haveria controle cruzado.

Essa decisão reabriu a disputa entre o governo e o grupo empresarial, diz Martín Sivak, autor do livro "Clarín, uma História" (sem edição no Brasil). "Agora o desfecho está totalmente aberto. Se me perguntassem há um mês, eu diria que terminaria com o plano de adequação à lei".

Para Graciela Mochkofsky, autora do livro "O Pecado Original" (sem edição no Brasil), "o governo ganhou a batalha da Lei de Mídia: obrigou o grupo a abandonar sua resistência e se apequenar".

Ela considera que a principal aspiração dos donos era manter o grupo unido até o fim do governo, em 2015.

A escritora diz que a Lei de Mídia, que completou cinco anos recentemente, foi uma das armas que o governo usou na guerra contra o grupo, mas não a única.

A relação entre o grupo econômico e os Kirchner começou amigável. Quando Néstor fazia campanha para a Presidência, em 2003, ele se aproximou de Héctor Magnetto, um dos principais acionistas do conglomerado, e teve com ele uma relação próxima até o fim de 2007.

Leo La Valle/AFP
Cristina Kirchner discursa na Casa Rosada
Cristina Kirchner discursa na Casa Rosada

Sivak conta que, quando estava subindo, Néstor "entendeu que era preciso construir alianças e que o 'Clarín' é um ator importante da política argentina há anos".

Por isso, concedeu benefícios governamentais ao grupo, como mais licenças para operar TV por assinatura, e passava novidades do governo a jornalistas do grupo. "E, nessa época, Magnetto concordava com a política econômica do governo", diz ele.

Magnetto e Néstor se encontravam com frequência e discutiam o governo e a Argentina. Mas, em 2008, quando Cristina já era presidente, a cobertura de um conflito com ruralistas desagradou o casal Kirchner.

Em uma reunião na residência presidencial, Néstor tentou convencer Magnetto a mudar sua posição, o que não aconteceu. Os Kirchner teriam se sentido traídos.

A partir daí, começaram a aplicar sanções ao grupo. Uma das armas do Clarín foi o futebol. A associação argentina tinha um contrato de exclusividade para transmissão dos jogos nas TVs do grupo.

As partidas eram transmitidas pela TV fechada –por causa disso, quase 80% da população argentina assina um plano de canais, diz Daniel Larrache, diretor de gestão da Afsca.

O governo interrompeu o contrato e começou a pagar a associação de futebol e transmitir pela televisão pública, anunciando os jogos como um programa de Estado, "Futebol para Todos".

Além de tentar machucar o bolso, houve um enfrentamento "por procuração": governistas pressionaram a família de uma das donas, Ernestina Herrera de Noble.

Ela tem dois filhos adotados, e foi acusada de ter participado de um sequestro de filhos de militantes assassinados pela ditadura. Depois de longa disputa judicial, os herdeiros de Noble fizeram um teste de DNA e comprovaram que não são descendentes de vítimas da ditadura.

JORNAL RECLAMA
Para ao grupo Clarín, o tratamento dado pelo governo ao grupo se trata de uma nova etapa de perseguição política a empresa.

O porta-voz do conglomerado, Martín Etchevers, diz que a motivação para isso é que, à medida que a situação econômica do país piora, com previsão de recessão durante dois anos, "o governo busca inimigos ou adversários para desviar a atenção".

Essa estratégia serviria para entusiasmar os militantes kirchneristas.

O motivo oficial da rejeição é que o plano tinha manobras para manter nas mãos dos maiores acionistas do momento as unidades de negócios que dão mais dinheiro, a TV a cabo.

O Clarín afirma que não há controle cruzado, pois a Lei de Mídia não se refere aos advogados que dirigem os fundos, mas só aos donos –"e, se um advogado aparece em uma sociedade que não tem nada a ver com as unidades de negócios em que se dividirão o Clarín, isso não afeta em nada a adequação".

GOVERNO NEGA PERSEGUIÇÃO
Segundo Daniel Larrache, diretor de gestão da agência de regulamentação da mídia, foram outorgadas 1.200 novas autorizações e licenças para funcionamento de rádios (AM ou FM) e TVs (abertas ou fechadas) pelo país.

Ele rechaça a ideia de que outros grupos tiveram tratamento melhor e que uma eventual diferença se deu pelo poder das empresas. "Nenhum outro conglomerado precisou se separar para se adequar à lei. Isso mostra o tamanho do Clarín."

Entre as rádios, os grandes beneficiados foram as comunitárias e a Igreja Católica (que ganhou 44 frequências).

Ele também cita mais de 100 autorizações para comercializar o serviço de TV a cabo dadas a pequenas e médias empresas. A maioria dessas novas licenças foi dada fora das grandes cidades.

Ele diz que o outro mérito são os julgamentos das grandes empresas. Segundo o diretor, já foram 37 casos. "Alguns grupos tinham problemas de nacionalidade dos donos, outros de quantidade de licenças, outros de domínio de mercado, outros por ter acionista com incompatibilidades. O Clarín tinha todos os problemas", afirma. (FG)


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