Folha de S. Paulo


Mulheres ocidentais se unem a extremistas no Oriente Médio

Meninas de apenas 14 ou 15 anos estão viajando principalmente à Síria para casar-se com jihadistas, ter filhos com eles e ingressar em comunidades de combatentes; uma parte pequena delas está pegando em armas.

Muitas são recrutadas por meio das mídias sociais. Mulheres e meninas parecem representar 10% das pessoas que estão deixando a Europa, América do Norte e Austrália para unir-se a grupos jihadistas, incluindo o Estado Islâmico (EI).

A França tem o maior número de recrutas mulheres, com 63 na região -25% do total-, e consta que pelo menos outras 60 estariam cogitando seguir seu exemplo.

Na maioria dos casos as mulheres parecem deixar suas famílias para casar-se com jihadistas, atraídas pela ideia de apoiar seus "irmãos combatentes" e ter "filhos jihadistas para ajudar a disseminar o islã", segundo Louis Caprioli, ex-diretor da agência de segurança francesa Direction de la Surveillance du Territoire (Direção da Vigilância do Território). "Se seu marido morrer, elas serão respeitadas como viúvas de um mártir."

De acordo com o ministro do Interior, Bernard Cazeneuve, cinco pessoas (incluindo um irmão e uma irmã) foram detidas na França este mês sob suspeita de pertencer a uma rede na França central especializada em recrutar francesas jovens.

Especialistas em contraterrorismo no Reino Unido acreditam que cerca de 50 meninas e mulheres britânicas já se uniram ao EI, mais ou menos um décimo do número de britânicos que sabidamente foram combater na Síria. Muitas delas estariam em Raqqa, a cidade do leste da Síria que se tornou o reduto do Estado Islâmico.

As irmãs gêmeas Zahra e Salma Halane, 16 anos, de Manchester, deixaram sua casa em julho sem o conhecimento de seus pais para seguir seu irmão até a Síria.

As meninas, cujos pais foram viver no Reino Unido como refugiados da Somália, tinham passado nos exames de conclusão do secundário no verão passado e estavam seguindo um curso pré-universitário. Elas saíram de casa no meio da noite, e seus pais informaram a polícia de seu desaparecimento.

Agora as duas estariam casadas com combatentes do EI. Uma conta de mídia social que se acredita ser de Zahra a mostra posando, de véu completo, com um fuzil AK-47 e ajoelhada diante da bandeira do EI.

As meninas identificadas por pesquisadores do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, do Kings College London, têm em sua maioria entre 16 e 24 anos. Muitas são universitárias formadas e deixaram para trás famílias amorosas.

Outra britânica, Aqsa Mahmood, postou em um blog este mês: "A maioria das irmãs que eu encontro estava na universidade, fazendo cursos com muitos caminhos promissores a seguir, tinha amigos e famílias grandes e felizes. Elas tinham tudo no Dunyah (mundo material) para convencê-las a ficar lá e curtir o luxo."

"Se tivéssemos ficado, poderíamos ter sido abençoadas com tudo isso, uma vida tranquila e confortável e muito dinheiro. Wallahi (juro) que não é isso o que queremos."

Pelo menos 40 mulheres já deixaram a Alemanha para ingressar no EI na Síria ou no Iraque, parte do que parece ser uma tendência crescente de adolescentes nesse país que se radicalizam e viajam ao Oriente Médio sem a permissão de seus pais.
"A mais jovem tinha 13 anos", disse ao "Rheinische Post" o presidente do Escritório Federal para a Proteção da Constituição, Hans-Georg Maassen.

"Quatro moças menores de idade partiram com a ideia romântica de uma união jihadista e se casaram com jovens combatentes que conheceram através da internet."

Na Áustria, o caso de duas amigas adolescentes -Samra Kesinovic, 16 anos, e Sabina Selimovic, 15, que fugiram de casa em Viena para se juntar a jihadistas na Síria-pode ser "apenas a ponta do iceberg", disse Heinz Gartner, diretor do Instituto Austríaco de Política Internacional. De acordo com o Ministério do Interior, estima-se que 14 meninas e mulheres tenham deixado a Áustria para combater no Oriente Médio.

Os Estados Unidos não têm dados disponíveis sobre meninas e mulheres que aderem ao EI na Síria, disse um funcionário sênior da inteligência em comunicado recebido por e-mail. "Não temos dados sobre o número de mulheres ligadas ou que estejam combatendo com o EI", ele informou.

Daveed Gartenstein-Ross, especialista em contra-inteligência na Fundação para a Defesa das Democracias, em Washington, minimizou o problema nos EUA, dizendo que o número de mulheres e meninas que se juntam ao EI é motivo de preocupação, mas não é epidêmico. "É uma ameaça, mas é apenas uma das muitas ameaças potenciais vindas da Síria", ele disse.

Karim Pakzad, do Instituto francês de Relações Internacionais e Estratégicas, disse que algumas mulheres jovens "têm uma ideia quase romântica sobre a guerra e os guerreiros. Há certo fascínio até com as decapitações e degolas. É uma aventura." Para ele, algumas delas podem sentir-se mais respeitadas e importantes que em seus países de origem.

Mas Shaista Gohir, da Rede britânica de Mulheres Muçulmanas, ressalvou que pouco é sabido sobre a motivação dessas mulheres ou o que acontece com elas depois de saírem de casa. "Algumas dessas meninas são muito jovens e ingênuas. Elas não entendem o conflito nem sua fé e sua facilmente manipuladas. Algumas estão levando crianças pequenas com elas. Algumas talvez pensem que vão participar de uma missão humanitária."

Para muitos especialistas, as mídias sociais exercem um papel crucial no recrutamento de jovens para aderir ao EI no Oriente Médio.

Algumas mulheres e meninas britânicas postaram fotos em que são vistas carregando fuzis AK-47, granadas ou, em um caso, uma cabeça cortada, enquanto prestam juramento de fidelidade ao EI. Mas também postam fotos de comida, restaurantes e do pôr do sol, para mostrar uma imagem positiva da vida que aguarda as jovens.

Mia Bloom, professora de estudos de segurança na Universidade de Massachusetts e autora de "Bombshell: Women and Terrorism", disse que a campanha de recrutamento pinta uma imagem "tipo Disney" da vida no califado. Algumas jovens recebem ofertas de incentivos financeiros, como as despesas de viagem ou pagamento por terem filhos.

As mulheres que vivem entre combatentes do EI fazem uso hábil das mídias sociais para retratar a Síria como utopia e atrair mulheres estrangeiras para sua "irmandade no califado", ela disse. "O conceito de viver no califado é uma ideia muito positiva e poderosa, que significa muito para essas mulheres."

Mas, segundo Bloom, a realidade é muito diferente. Ela e Rolf Tophoven, do Instituto alemão de Pesquisas sobre Terrorismo e Política de Segurança, disseram que relatos indicam que as mulheres foram violentadas, maltratadas, vendidas como escravas ou forçadas a se casar. "O EI é um movimento rigidamente islâmico e brutal. O poder, a estrutura de liderança, são claramente dominadas por homens", disse Tophoven.

Mensagens entre um combatente britânico do EI e sua esposa, lidas em um tribunal do Reino Unido no mês passado, revelaram que muitos combatentes estão se casando com várias mulheres.

Em um artigo na "Foreign Policy" sobre as atitudes do EI em relação às mulheres, os ex-analistas da CIA Aki Peritz e Tara Maller disseram que os combatentes "estão cometendo violência sexual hedionda em escala enorme."

"Por exemplo, a ONU estimou no mês passado que o EI converteu cerca de 1.500 mulheres, meninas e meninos adolescentes em escravos sexuais. A Anistia Internacional lançou um documento denunciando que o EI sequestra famílias inteiras no norte do Iraque para submetê-las a agressões sexuais e coisas piores."

"Mesmo nos primeiros dias após a queda de Mossul, em junho, ativistas dos direitos das mulheres relataram múltiplos incidentes de combatentes do EI indo de porta em porta, sequestrando e estuprando mulheres da cidade."

Tradução de CLARA ALLAIN


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