Folha de S. Paulo


Cidade inglesa vizinha à Escócia vive incerteza com risco de separação

As aposentadas Margareth Fraser e Anne Cleig, ambas com mais de 70 anos, nasceram e cresceram em Berwick-upon-Tweed, pequena cidade no extremo norte da Inglaterra, a quatro quilômetros da fronteira com a Escócia.

Anne mora a poucos minutos dali, do outro lado da fronteira, numa vila escocesa chamada Paxton.

Quase todo dia, vai para o lado inglês fazer compras e visitar Margareth, amiga dos tempos de escola e que, ao contrário dela, nunca saiu de Berwick-upon-Tweed.

Editoria de arte/Folhapress

Ambas nasceram na Inglaterra, mas têm antepassados escoceses.

Com 13 mil habitantes, a cidade talvez seja o maior símbolo territorial dos conflitos entre ingleses e escoceses.

Oficialmente, pertence à Inglaterra desde 1482. Antes, mudou de mãos por pelo menos 13 vezes.

As batalhas são simbolizadas nas muralhas, construídas entre 1558 e 1570 para proteger os ingleses dos ataques da Escócia.

Estima-se que ao menos metade da população de Berwick-upon-Tweed tenha origem familiar no país vizinho.

O time de futebol da cidade, Berwick Rangers F.C, e o do rúgbi, Berwick RFC, jogam a liga escocesa.

As lojas de suvenires oferecem mais produtos com alusão à Escócia do que à Inglaterra.

Se o país deixar o Reino Unido, as amigas Anne e Margareth passarão a viver, de fato, em nações separadas.

O que atualmente é uma fronteira simbólica, desde a união entre ingleses e escoceses há 307 anos, passará a ser o limite oficial entre dois Estados.

Anne Cleig terá que se adaptar à mudança, a não ser que volte a morar em território inglês.

Nesta quarta-feira (17), véspera da votação, ao lado da amiga, não escondeu a preocupação com o futuro com uma vitória do "sim".

"Vou ter de mudar meu médico [do eficiente sistema britânico de saúde], meu dentista. E minha pensão, que recebo da Inglaterra, como fica? Vou precisar de passaporte para visitar a cidade onde nasci? Vai ser péssimo".

Como vive em território escocês, ela pode votar no plebiscito. A amiga, por morar em terra inglesa, não.

Anne, aliás, já votou e foi contra a separação. Enviou o voto pelo correio, modalidade permitida e adotada por 790 mil dos 4,2 milhões aptos a participar do plebiscito.

QUESTÕES EM ABERTO

Como a chance de vitória da independência era pequena até duas semanas atrás, questões como as levantadas pela aposentada, como o uso do sistema de saúde britânico e a necessidade de passaporte para viajar pela área, não foram totalmente esclarecidas pelas autoridades.

Diante do recente cenário equilibrado das pesquisas, um certo pânico bate nos moradores da região, que costumam cruzar a fronteira todos os dias para fazer compras, trabalhar, usar hospitais, entre outras coisas.

Ao contrário da amiga de infância, Margareth é favor da independência. Diz que a Escócia, assim como sua pequena e cidade inglesa, são esquecidas pelo governo em Londres."É lógico que eu votaria pelo sim'. Eu acabei de falar aqui para ela: seria muito melhor se nós também fôssemos Escócia", diz.

Nesta quarta-feira, as amigas Annie D´Agrosa, 86, e Sybil McCabe Selkirk, 85, da cidade escocesa de Selkirk, também na fronteira, caminhavam pelas ruas de Berwick-upon-Tweed com um broche da campanha contra a independência.

Acordarão cedo nesta quinta (18) para votar assim no plebiscito. "Somos mais fortes unidos", diz Annie.


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