Folha de S. Paulo


General linha-dura com experiência política será líder de coalizão contra radicais

Um general aposentado dos marines que lidera a coalizão formada por Washington contra o Estado Islâmico (EI) é um "falcão" com anos de experiência no combate a insurgências extremistas no Iraque e Afeganistão.

Mas também possui credenciais intelectuais impressionantes e um nível incomum de experiência de política externa como oficial militar de alto escalão.

Calmo e de fala mansa, John Allen, 60, não será um comandante militar no esforço do presidente Barack Obama para "degradar e destruir" o grupo extremista islâmico que tomou conta de grandes áreas do Iraque e Síria.

Em vez disso, ele vai tentar conquistar promessas de apoio militar concreto de países que já ofereceram apoio moral, atrair mais apoio e coordenar e inspirar os parceiros muito diversos no esforço.

Gary Cameron/Reuters
O general John Allen (esq.) em encontro com Barack Obama na Casa Branca, em Washington
O general John Allen (esq.) em encontro com Barack Obama na Casa Branca, em Washington

Allen já viu em primeira mão que o poderio militar americano ímpar pode gerar resistência violenta, como aconteceu no Iraque, ou conquistar apenas ganhos caros e frágeis, como foi o caso em boa parte do Afeganistão.

Mas ele continua a ser defensor ferrenho do uso da força na região, tendo lançado ainda em junho um chamado para que fosse desferido um "golpe forte" contra o EI, e está convencido de que a turbulência em terras distantes pode representar uma ameaça aos americanos em seu próprio país.

"Que ninguém se iluda: o abominável EI é um perigo concreto e presente para os EUA", ele disse em editorial no site "Defense One" em agosto que pode ser lido quase como um texto apresentando sua candidatura ao seu cargo atual.

"A única questão em dúvida realmente é se os Estados Unidos e seus aliados e parceiros vão agir decisivamente agora. Os EUA ainda é a única nação no planeta capaz de exercer o tipo de liderança estratégica, influência e capacidade de ataque necessários para fazer frente ao EI. É a única potência capaz de organizar uma reação de coalizão a esta ameaça regional e internacional."

Quase dois anos à frente da presença internacional no Afeganistão muniram Allen de prática útil de equilibrar um misto eclético de habilidades e equipamentos militares de diversos países e, ao mesmo tempo, proteger as sensibilidades facilmente feridas de dezenas de comandantes.

Ele conhece os líderes militares de muitos países da coalizão anti-EI da época em que foi o número dois do Comando Central, o centro nervoso das Forças Armadas dos EUA, cujo QG fica na Flórida, mas que é responsável por operações no Oriente Médio, Ásia central e norte da África.

Natural da Virgínia e dotado de um leve sotaque sulista, Allen também conquistou o apoio de Obama depois de aplaudir publicamente os planos para a redução das tropas americanas no Afeganistão em um ano eleitoral.

Foi uma época em que o presidente americano sentiu-se traído por, ou não sentiu plena confiança em, muitos outros oficiais destacados que defendiam uma permanência americana maior e mais longa no Afeganistão. A lealdade de Allen não passou despercebida.

No Iraque, ele foi vice-comandante para a província de Anbar entre 2006 e 2008 e exerceu um papel fundamental em esforços para convencer tribos sunitas a voltar-se contra a Al Qaeda. Esses são alguns dos mesmos grupos cuja adesão os EUA pode agora tentar conquistar para o combate ao EI.

No Afeganistão, em 2011, Allen substituiu o general David Petraeus, queridinho da mídia, e trouxe para o cargo um estilo de liderança mais discreto e ponderado. Petraeus tinha sido encarregado de vencer a "boa guerra" de Obama; já o encargo confiado a Allen foi o de começar a encerrar a guerra de modo honrável -se bem que ninguém nas Forças Armadas teria expressado as coisas com tanta franqueza.

Ele passou dois anos tentando equilibrar o imperativo político de acelerar o retorno de tropas americanas aos EUA com a realidade de uma insurgência do Taleban ainda poderosa.

A solução que encontrou foi dar ênfase maior ao treinamento das forças afegãs, para que pudessem ter uma chance melhor de proteger o governo e as principais cidades sozinhas.

Em seu discurso de despedida, Allen disse: "Nossa vitória talvez nunca seja assinalada por uma parada ou um momento definido no tempo em que se declara vitória. Esta insurgência será derrotada ao longo do tempo pelas forças afegãs legítimas e bem treinadas que estão emergindo hoje."

Depois de deixar Cabul ele foi nomeado comandante supremo das forças da Otan na Europa, mas sua nomeação foi suspensa quando e-mails pareceram tê-lo envolvido num escândalo relativo a um caso entre Petraeus e sua biógrafa, Paula Broadwood.

Tendo sido exonerado de qualquer erro, ele deixou as Forças Armadas pouco depois disso e rejeitou o cargo na Otan para passar mais tempo com sua mulher, que está doente e com quem, segundo amigos, tem uma relação muito forte.

"Kathy, eu queria que você estivesse aqui comigo hoje. Quero lhe dizer o quanto a amo", ele declarou diante de uma plateia espantada de aliados da Otan e dignitários afegãos, depois de despedir-se de modo mais formal de seus colegas militares e do país que lutou para moldar.

Pouco depois de retornar aos EUA, sua experiência militar e seu histórico acadêmico foram reconhecidos com um cargo assessorando os secretários da Defesa, Chuck Hagel, e de Estado, John Kerry, em questões de segurança nas negociações entre Israel e Palestina.

Allen tem diplomas de alto nível da Georgetown University, do National Defense Intelligence College e do National War College e foi o primeiro fuzileiro naval a tornar-se membro por cinco anos do influente Council on Foreign Relations.

Tradução de CLARA ALLAIN


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