Folha de S. Paulo


A dez dias do referendo, Escócia é o mais importante na política britânica

Faltando apenas dez dias para o referendo, neste domingo (7) o resto do Reino Unido finalmente despertou para a enormidade do que está acontecendo na Escócia.

A ascensão do sentimento nacionalista escocês é subestimada e incompreendida há anos. A possibilidade de o Reino Unido estar se aproximando de algo que fará parte dos livros de história tem sido descartada como sendo impensável.

Mas o desconhecimento ou o descaso são indesculpáveis agora.

Neste fim de semana, o impensável chegou ao banco do motorista da campanha escocesa. Nenhuma outra questão tem importância agora na política britânica.

Estes podem não ser os dez dias que vão abalar o mundo, como John Reed descreveu a revolução russa de 1917. Mas serão dez dias que poderão mudar a vida de todos nós, sacudindo o Estado britânico e sua população até seus alicerces.

A sondagem de opinião feita pela YouGov para o "Sunday Times" revelou uma nação à beira do abismo, com a campanha do "sim" (a favor da independência da Escócia) à frente por 51% contra 49%.

Algo assim nunca aconteceu antes, em todos os longos meses e anos de discussões sobre o futuro da Escócia. Mas a mensagem de ontem foi simples e eletrizante: uma Escócia independente está a apenas dez dias de distância.

A sondagem divulgada ontem não era inesperada. A tendência das sondagens vem sendo de um estreitamento da diferença entre os dois lados -lentamente, num primeiro momento, seguido por uma pausa longa, e depois lentamente outra vez.

Na última quinzena, porém, a vantagem do campo pró-união (no Reino Unido) evaporou de repente. Fica claro que alguma coisa mudou na cabeça de muitos escoceses depois que Alex Salmond derrotou Alistair Darling no segundo debate televisionado entre eles, duas semanas atrás.

As cifras detalhadas da YouGov sugerem que a mudança tenha se dado entre os eleitores trabalhistas. Mas outros grupos também mudaram de lado.

Quatro semanas atrás, 18% dos eleitores trabalhistas estavam do lado do "sim". Agora, nada menos que 35% dizem que vão rejeitar a campanha do Partido Trabalhista contra a separação e vão votar a favor da independência. Quatro semanas atrás, apenas 33% das mulheres estavam engajadas com o "sim". Agora, 47% delas -quase a metade das mulheres escocesas-estão dizendo "sim".

O apoio da classe trabalhadora à independência subiu de 41% para 56%. E o apoio dos eleitores de menos de 40 anos ao "sim" saltou de 39% para 60%.

Se esses números se mantiverem, serão sinais de que Alex Salmond já ganhou a batalha crucial da guerra pacífica. A batalha para mudar o voto dos eleitores trabalhistas, especialmente no oeste da Escócia, era vista havia muito tempo como crucial para o resultado em 18 de setembro.

Mas o sucesso de Salmond vai se manter no momento em que a campanha se intensifica ao máximo, nos próximos dez dias?

Existem bons argumentos em favor dos dois lados nessa discussão. Para a campanha do "sim", os grandes pontos positivos são o impulso e a confiança.

É provável que a sondagem de ontem tenha seus resultados ecoados por outras. A visão de que é realmente possível vencer neste referendo pode ser a melhor ferramenta que Salmond poderia desejar.

Com o profissionalismo bem burilado da campanha em campo do SNP (o Partido Nacional Escocês), a mensagem de que é seguro votar "sim" será reiterada cada hora de cada dia de hoje até o dia do referendo.

Por outro lado, a pesquisa do YouGov não é o resultado final. Seus resultados estão dentro das margens de erro. A outra pesquisa divulgada ontem, mas menos noticiada, da Panelbase, indica que a campanha do "não" ainda lidera por 52% a 48% das intenções de voto.

Ainda é uma margem estreita, e também está dentro da margem de erro. Mas merece atenção, porque as pesquisas anteriores da Panelbase tenderam a dar resultados mais favoráveis ao "sim" que as pesquisas feitas por outras empresas, incluindo a YouGov.

Aqueles que querem salvar a união poderão confortar-se um pouco com a reviravolta ocorrida nas horas finais do referendo sobre a independência do Quebec, em 1995.

Faltando cinco dias para a votação, a campanha do "sim" estava seis pontos à frente. Três dias antes da votação, estimados 100 mil canadenses, em sua maioria de fora do Quebec, viajaram a Montreal para um "comício da união", para suplicar aos eleitores que votassem pela permanência no Canadá.

No dia da votação, com 93,5% de participação dos eleitores, o Quebec votou por permanecer como província do Canadá, por margem estreita: 50,5% contra 49,5%. Se apenas 27 mil eleitores tivessem mudado de opinião, o Quebec poderia ser um país independente hoje.

Na Escócia, um pouco menor que o Quebec, a decisão final pode estar nas mãos de um contingente ainda menor de eleitores. Mas onde está o comício que possa convencer os escoceses a permanecer no Reino Unido, mostrando como eles são importantes para a união?

A opinião inglesa é avassaladoramente favorável à permanência dos escoceses na união. Será que os ingleses sabem transmitir essa mensagem ou se importam o suficiente para fazê-lo?

Uma coisa é certa: os eleitores escoceses indecisos não terão onde se esconder nos próximos dez dias. Pois eles têm nas mãos não apenas o futuro da Escócia, mas do Reino Unido.

Tradução de CLARA ALLAIN


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