Folha de S. Paulo


Análise: Trégua é mais uma vitória de Vladimir Putin

Apesar da retórica dos líderes da Otan, não é a aliança ocidental militar a vitoriosa até aqui no novo embate com o velho inimigo, a Rússia. É outra vez Vladimir Vladimirovitch Putin, ainda que agora os riscos assumidos pelo presidente sejam maiores.

Assim como quando colocou uma Geórgia que buscava aliar-se ao Ocidente de joelhos em 2008, tirando-lhe autonomia sobre parte de seu território, Putin agora colhe mais um provável trunfo tático na Ucrânia.

Considerando que o cessar-fogo entre separatistas pró-Moscou e o governo ucraniano evolua para algum tipo de acomodação política, os pró-Ocidente de Kiev foram emasculados como seus pares em Tbilisi em 2008.

Como Barack Obama disse, tentando vender um peixe de outra natureza, trata-se de uma esperança.

Se o rumo das coisas for o previsto, a entrada da Ucrânia na Otan ficará para um futuro improvável, e parte do território estará perdida (Crimeia) ou ingovernável (leste).

O Ocidente não entende a Rússia. Dissolvida a União Soviética em 1991, tudo o que Otan e União Europeia fizeram foi expandir seus braços para a antiga esfera de influência de Moscou.

O Ocidente tomou para si as simbólicas repúblicas bálticas, onde a tensão entre russos étnicos e o resto da população remonta à Segunda Guerra Mundial. Tente pedir uma cerveja em russo num bar de letões em Riga para entender o problema.

Mas quando o namoro chegou às encruzilhadas energéticas da Rússia, Geórgia e Ucrânia por exemplo, a coisa mudou de figura. Putin reagiu, de forma paranoica segundo adversários, ao ver inimigos cercando seu território e seus gasodutos.

Editoria de Arte/Folhapress

O presidente encara riscos maiores, acompanhado por um Ocidente que trombeteia a militarização do Leste Europeu –ainda que 4.000 soldados não sejam bem isso.

Os sucessivos embargos impostos à Rússia provocam danos reais ao país, e agora resta ver se eles serão desmontados com a perspectiva de alguma paz na Ucrânia.

Mas o aspecto mais perigoso em questão é a segurança mundial. Um artigo escrito em agosto por um crítico feroz de Putin, o matemático Andrei Piontovsky, virou sensação entre analistas preocupados com isso.

Ele sugere que o russo pode apoiar separatismo na Estônia. Só que o país é membro da Otan, o que implicaria a ação militar ocidental.

Confrontado com uma derrota convencional, Moscou usaria de forma limitada armas nucleares contra alvos menos centrais da aliança, no Báltico ou na Polônia.

Para evitar o apocalipse, o Ocidente reagiria contra uma cidade média russa, chegando a um cessar-fogo e vitória moral russa. O objetivo estratégico de Putin seria realizado: desmoralizar os EUA como garantidores da paz e retomar a influência da Rússia.

Parece ficção e certamente é exagerado, mas desde então Putin falou duas vezes sobre o poderio nuclear russo e os EUA acusaram o Kremlin de testar mísseis proibidos para uso contra a Europa.

A inapetência por uma invasão militar da Ucrânia mostra que Moscou também trabalha com limites. A realidade é distinta da ficção, e fica tudo para a próxima rodada. Esta foi de Putin.


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