Folha de S. Paulo


Twitter exclui contas de usuários que compartilharam vídeo de decapitação

O Twitter se meteu em apuros. A decisão tomada pela rede social de remover todos os links para as imagens terríveis que aparentemente mostram o fotojornalista James Foley sendo decapitado tem o apoio –justo– da maioria de seus usuários.

A rede social foi mais longe, suspendendo ou expulsando usuários que compartilharam o vídeo ou certos fotogramas, depois de o executivo-chefe da empresa, Dick Costolo, ter tuitado que tomaria medidas contra tais usuários.

Seria difícil imaginar que alguém tivesse um motivo justo para olhar ou compartilhar tais imagens bárbaras, mas a abordagem pró-ativa do Twitter reverte seu histórico longo de não intervenção.

Desde que foi criado, o Twitter vem promovendo fortemente suas credenciais de defensora da liberdade de expressão.

O ex-advogado da empresa chegou a caracterizá-la como "a ala de liberdade de expressão do partido da liberdade de expressão". Essa abordagem se caracterizava pelo fato de a rede só remover conteúdos em situações extremas -quando era obrigada a isso por governos, para obedecer a leis locais, ou por meio de canais diversos criados para reportar casos de assédio.

A reação da rede ao vídeo e fotogramas de Foley constitui uma ruptura clara com essa abordagem: não apenas ela reagiu a queixas sobre posts que difundiram o material, como parece ter pró-ativamente buscado queixas em outras instância.

No entanto, não existe um consenso universal em relação ao uso das imagens, algo que se reflete na decisão do "New York Post" e "New York Daily News" de usar imagens chocantes do vídeo em suas primeiras páginas.

Aqui começam os problemas do Twitter: a rede decidiu não suspender nem expulsar nenhum dos dois veículos por terem compartilhado as imagens, mas expulsou outros usuários por terem feito o mesmo.

O Twitter não tem se mostrado igualmente ansioso por policiar conteúdos em outras situações. Como muitas outras grandes empresas, ela insiste que não publica materiais, mas é uma plataforma.

A distinção é importante: os publishers carregam muito mais responsabilidade pelo que aparece em seus sites. Ao continuar a ser uma plataforma, o Twitter é absolvido da responsabilidade legal pela maior parte do conteúdo do que é tuitado. Mas, ao tomar uma decisão basicamente editorial de não abrigar um certo tipo de conteúdo, a rede está confundindo essa distinção.

Ela não se envolveu tão prontamente em outras instâncias em que seus usuários compartilharam conteúdos que ultrapassaram de longe o que seria mesmo remotamente aceitável, mesmo quando os incidentes tiveram perfil alto.

No Reino Unido, ganhou atenção enorme uma campanha de ameaças de abusos e estupro contra a jornalista e militante feminista Caroline Criado-Perez, que fez uma campanha bem-sucedida para que a imagem da escritora Jane Austen aparecesse na nova cédula de dez libras esterlinas.

As ameaças –tão graves que duas pessoas foram presas por envolvimento nelas– chegaram tão rapidamente, e de tantas fontes, que Criado-Perez não conseguiu combatê-las através dos procedimentos trabalhosos de denúncia de assédio exigidas pela rede.

Outras mulheres que saíram em defesa da jornalista foram sujeitas a assédio maciço semelhante.

E esse foi apenas um incidente entre muitos. A justificativa mais forte –e possivelmente única– dada pelo Twitter para explicar sua resposta lenta e mínima foi que só podia atuar através de seus canais próprios para assédio e que não podia se tornar curadora ou editora dos conteúdos veiculados em seu site.

Com suas iniciativas da terça e quarta-feira, essa fachada está desmoronando: o Twitter está dizendo que compartilhar imagens de um assassinato exige intervenção urgente, mas ameaçar estuprar e mutilar uma pessoa, não? Quais são os critérios para a rede tomar medidas diretas? Por que alguns usuários podem compartilhar uma imagem e outros serão expulsos por fazerem a mesma coisa? Twitter, Facebook e Google possuem um grau alarmante de controle sobre as informações que podemos ver e compartilhar, quer sejamos um veículo de mídia ou um usuário comum.

Depositamos um grau imenso de confiança neles, e essa confiança precisa ser conquistada e reconquistada regularmente.

Se o Twitter decidiu tomar decisões editoriais, mesmo de modo limitado, é crucial que os critérios sejam anunciados claramente e abertamente de antemão e que sejam aplicados de modo consistente e igual. Quer você seja um defensor ardoroso da liberdade de expressão ou acredite com convicção que as redes precisam fazer mais para policiar seus quintais, o pior mundo possível para o fluxo de informação é aquele em que passarmos da vigência das leis democráticas para uma situação regida pelo grupinho arbitrário, inconsistente de grandes empresas, que talvez reajam sem pensar.

Hoje é uma empresa que se dispõe a tomar medidas contra um conteúdo especialmente vil. E amanhã, o que será?

Tradução de CLARA ALLAIN


Endereço da página: