Folha de S. Paulo


Papa aproveita longos voos para conversas francas com jornalistas

Francisco não é o primeiro papa a responder a perguntas de jornalistas sobre ampla gama de questões durante o tempo ocioso de voo nas viagens papais. Mas conseguiu transformar essas entrevistas coletivas improvisadas em acontecimentos capazes de conquistar manchetes.

Um exemplo: o voo de retorno de uma visita de cinco dias à Coreia do Sul, na segunda-feira. Em conversa de uma hora de duração com jornalistas, o papa falou sobre a intervenção militar no Iraque e expressou o desejo de viajar à China, talvez já "amanhã".

Disse que os preparativos para a beatificação de Oscar Romero, o arcebispo salvadorenho assassinado em 1980, estavam bem adiantados e que esperava visitar os Estados Unidos no ano que vem, talvez parando em Nova York.

Também sugeriu que estava aberto a seguir o exemplo de seu predecessor, Bento 16, e se aposentar.

Francisco falou até de sua própria morte, ainda que os repórteres que o acompanharam no voo tenham ressaltado que o fez jocosamente.

Perguntado sobre como lidava com sua esmagadora popularidade, o papa respondeu que meditava frequentemente sobre seus pecados e erros, porque não queria ficar metido a besta.

"Porque sei que isso vai durar por pouco tempo, talvez dois ou três anos, e depois será hora de ir para a casa do Pai", ele disse. (Francisco também admitiu ser neurótico. "Uma das neuroses é que sou apegado demais à vida", disse.)

O gabinete de imprensa do Vaticano na segunda-feira divulgou uma transcrição da conversa, traduzida do italiano por Gerard O'Connell, jornalista do Vaticano que cobriu a viagem papal para a revista jesuíta "America".

Francisco já havia conquistado manchetes anteriormente com seus comentários espontâneos e diálogos francos. Durante a viagem de volta de sua participação no Dia Mundial da Juventude, em 2013 no Brasil, por exemplo, ele surpreendeu os repórteres a bordo ao dizer que não julgava sacerdotes por suas preferências sexuais. "Quem sou eu para julgá-los se estão buscando o Senhor de boa fé?", afirmou.

Outros pontífices também tinham o hábito de conversar relaxadamente com jornalistas em voos de longa distância.

Mas os repórteres veteranos do Vaticano dizem que Francisco é mais loquaz do que seu predecessor. Suas falas são mais longas e "ele é mais aberto com os jornalistas", disse Andrea Tornielli, repórter de Vaticano do jornal italiano "La Stampa". "Mas é bom lembrar que João Paulo 2º era parecido antes de adoecer".

Perguntado se aprovava a intervenção militar dos Estados Unidos no Iraque, o papa respondeu que "é lícito deter um agressor injusto".

Mas acrescentou: "Não digo 'bombardeie, faça a guerra'. Digo 'use maneiras de detê-los'. De que maneiras podem ser detidos? É preciso avaliá-las. Deter um agressor injusto é lícito". Depois, ele apelou à ONU que defina o caminho a ser tomado.

Percorrendo o espaço aéreo chinês a caminho da Coreia do Sul, o papa disse que orava "muito pelo belo e nobre povo chinês, um povo sábio", cuja história, disse ele, se entrelaça à dos missionários jesuítas que foram à China pregar sua religião. E o papa gostaria de visitar a China? "Com certeza! Amanhã mesmo!", ele respondeu, acrescentando que a Igreja respeitava o povo chinês.

"A Igreja só pede liberdade para sua tarefa, seu trabalho –não existe outra condição", disse Francisco. "A Santa Sé está sempre aberta a contatos. Sempre. Porque tem verdadeira estima pelo povo chinês".

No começo do ano, bispos de El Salvador se reuniram com Francisco em Roma para discutir as esperanças de beatificação de Romero, um defensor dos pobres assassinado a tiros em 24 de março de 1980 enquanto celebrava uma missa.

Uma causa por sua beatificação foi aberta em 1993 mas vem sendo postergada há anos.

Na segunda-feira, o papa reconheceu que "o processo estava bloqueado na Congregação para a Doutrina da Fé por 'prudência', pelo que me disseram", afirmou, acrescentando que "agora ele foi desbloqueado e está na Congregação para os Santos, seguindo o percurso normal".

Ele definiu Romero como "homem de Deus", mas disse: "É preciso seguir o processo, e o Senhor precisa dar seu sinal. Mas se Ele o desejar, assim fará. Os postulantes devem agir agora, porque não existem impedimentos".

Francisco expressou o desejo de visitar Filadélfia para a Reunião Mundial de Famílias em setembro de 2015, afirmando que havia sido convidado a ir a Washington, para discursar ao Congresso norte-americano, e a Nova York, para visitar o secretariado das Nações Unidas.

"Com isso, talvez as três cidades na mesma viagem", ele disse. Francisco pode aproveitar essa jornada e esticar a viagem ao México, para visitar o Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, mas acrescentou que "isso não está decidido".

Ele elogiou o papa emérito, Bento 16, por ter tido a coragem de renunciar quando o fez e se declarou aberto a seguir esse exemplo. "Caso alguém me pergunte se, no momento em que eu sentir não poder continuar, eu faria o mesmo, eu faria o mesmo!", disse Francisco. "Oraria, mas faria o mesmo". Bento 16, ele acrescentou, "abriu uma porta institucional, não excepcional".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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