Folha de S. Paulo


Análise: Iraque passa por processo acelerado de desintegração nacional

A instabilidade política e social no mundo árabe é a pior da história contemporânea da região, por mesclar crises de identidade nacionalista e divisões sectárias em franca profusão.

O Iraque é caso sintomático de Estado em desintegração nacional, em virtude da fragilidade de sua coesão sócio-religiosa e de seu alinhamento no contexto regional.

Os atuais conflitos no país derivam de duas circunstâncias: a política sectária, acentuada no governo Nuri al-Maliki, que está deixando o cargo, e a guerra fria entre Arábia Saudita e Irã.

No início, Maliki soube aglutinar parcela considerável dos polos de poder dos variados grupos étnicos que compõem o tecido social iraquiano. No entanto, o segundo mandato dele foi impactado por conjunturas externas.

O acirramento do confronto saudita-iraniano mesclado à guerra da Síria e à repressão aos xiitas no Bahrein culminaram no aprofundamento da clivagem sectária no Iraque e influenciaram a guinada de Maliki a um alinhamento pró-iraniano.

Ademais, o intervencionismo das monarquias do golfo Pérsico no Iraque e o apoio bélico e monetário a grupos sunitas contribuíram para a radicalização do xiita Maliki e de seu núcleo político.

O efeito imediato dessa ingerência estimulou o revanchismo e fortaleceu os setores do governo refratários à ideia da divisão do poder, culminando na exclusão dos sunitas de diversos cargos da estrutura estatal.

A criação da milícia radical Estado Islâmico é uma obra mal calculada da doutrina de defesa saudita, com vistas a isolar o Irã e limitar seu escopo de influência sobre Síria, Iraque e Líbano.

Para os sauditas a influencia do Irã atravanca a possibilidade de consolidar seu projeto hegemônico sobre o mundo árabe.

No bojo dessa equação, o recuo do Maliki e a indicação de Haider al-Abadi como novo premiê do Iraque são resultado de acerto diplomático entre Teerã e Washington para tentar reunificar o Iraque e contentar os sauditas.

Ademais, os iranianos não podem pôr tudo a perder para manter Maliki. Teerã está disposta a sacrificar peças no tabuleiro, mas não as mais valiosas, especialmente num momento crucial do jogo em que ganha importante terreno e avança com vantagem para concluir acordo nuclear.

O novo premie terá o desafio de manter o Iraque na órbita xiita mas sem confrontar os sauditas. No plano interno, o desafio de Abadi é manter equilibrada a balança sectária, reintegrando as forças sunitas ao poder e protegendo as minorias. Somente, assim, conseguirá unir esforços para combater o EI e evitar a balcanização do Iraque.

HUSSEIN ALI KALOUT é cientista politico e pesquisador da Universidade Harvard. As opiniões expressas são dele.


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