Folha de S. Paulo


Resposta do Brasil não foi suficiente, afirma ativista inglês

Para o ativista britânico Ben White, o Estado de Israel é uma democracia só para os judeus.

À Folha ele, que fez dois livros sobre a questão e colabora com o jornal britânico "Guardian" e a rede Al Jazeera, disse que o Hamas não é um grupo terrorista.

White está no Brasil para uma série de palestras.

Ele diz que a resposta do Brasil ao conflito na faixa de Gaza poderia ser mais efetiva do que um pronunciamento diplomático.

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Folha - Por que o sr. considera que Israel tem uma situação de apartheid?
Ben White - Em Israel, as leis impõem uma discriminação entre cidadãos judeus e cidadãos palestinos –mais de 20% da população do país– em questões de terra, moradia e educação, por exemplo. As pessoas tem ou não acesso a direitos de acordo com sua etnia.

Israel é uma democracia para judeus e um estado judaico para não judeus, embora diga que é ao mesmo tempo um estado judaico e democrático.

Na Cisjordânia e em Gaza, onde os palestinos não são cidadãos israelenses, essa situação é mais explícita.

Você pode me dar um exemplo dessa discriminação?
Há quase uma década, existem uma lei que separa maridos e mulheres palestinos em Israel. A lei diz que qualquer cidadão israelense não pode ter seu cônjuge vivendo como residente permanente em Israel se esse cônjuge for um palestino da Cisjordânia ou da faixa de Gaza.

Se você é um palestino de Haifa (em Israel) e quer casar com alguém de Jenin (na Cisjordânia), essa lei não deixa vocês viverem juntos e legalmente em Israel.

Israel diz que não pode dar residência aos palestinos da Cisjordânia e de Gaza através do casamento com cidadãos israelense porque eles podem entrar no país para cometer atos terroristas.

Porém, a ideia real dessa lei é a separação. É para não deixar que a proporção de palestinos em Israel cresça. Você tem um país em que um grupo de pessoas é visto como uma ameaça demográfica. Isso é uma ideologia racista e é a causa para políticas de discriminação.

Zanone Fraissat/Folhapress
Ativista britânico Ben White, que denuncia um apartheid em Israel
Ativista britânico Ben White, que denuncia um apartheid em Israel

Os cidadãos palestinos de Israel são bem representados?
Eles têm uma condição melhor do que aqueles que tem somente a residência –moram em Jerusalém Oriental–, ou que não tem cidadania –como os da Cisjordânia, que vivem sobre regras militares–, ou ainda vivem como refugiados em outros países.

Eles podem participar das eleições parlamentares –que muitos palestinos boicotam– e têm acesso à processos legais.

Porém, em julho, a representante palestina no Parlamento de Israel, Haneen Zoabi, foi banida por seis meses de qualquer atividade a não ser votar.

[Ela está sob investigação, inclusive por ter dito que os sequestradores e assassinos de três israelenses na Cisjordânia não eram terroristas].

Desde a semana passada semana, participar de uma organização israelense de Direitos Humanos, a B'Tselem, não pode mais ser uma das opções dentro do serviço nacional obrigatório –que inclui o serviço militar– para os israelenses. Como você vê isso?
A B'Tselem é uma organização não radical que documenta ações do Exército –como bombardeios em Gaza, e agora Israel diz que ela contribui para deslegitimar a existência do Estado judeu.

É mais uma indicação de que, nos últimos anos, os cidadãos judeus que se opõem à ocupação e à ação do Exército também estão sentindo a pressão do governo.

O movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções) contra Israel tem dado resultado?
O BDS surgiu em 2005, quando 170 organizações da sociedade civil pediram o boicote a Israel, já que, um ano antes, a Corte Internacional de Justiça apontou que o muro e os assentamentos israelenses eram ilegais e nada foi feito pelos governos ou pela ONU a respeito disso.

A própria sociedade civil pode se opor à ocupação com boicotes empresariais, acadêmicos e até culturais –pedindo a artistas que não se apresentem em Israel.

Ainda é cedo para que o BDS faça efeito. As campanhas de BDS cresceram, mas ainda conseguem ser ignoradas pelo governo israelense.

Por que, na sua opinião, a situação dos palestinos não evoluiu ao longo dos anos?
Além do apoio militar, financeiro e diplomático do Ocidente a Israel, as lideranças palestinas adotaram uma estratégia que é falha. Elas acreditam que se os palestinos se comportarem bem, o Ocidente vai pressionar Israel a dar a eles seus direitos mínimos. Eles acreditam que o processo de paz liderado pelos EUA é o caminho. Mas desde os acordos de paz em Oslo (1993), também mediados pelos EUA, Israel continuou a ocupação.

Além disso, os países árabes, que deveriam em tese defender os palestinos, cooperam diretamente com Israel ou têm alianças com os EUA ou foram limitados em sua habilidade de dar apoio.

A comunidade internacional vê o Hamas como um grupo terrorista. Você concorda?
Os palestinos que entram para as fações armadas o fazem para participar do movimento de libertação nacional. Eles entendem que estão exercendo seu direito a defesa.

Há uma ocupação militar que está sendo combatida com armas pela população que sofre a ocupação. Por isso, resisto a usar o termo terrorista, mas não se trata de justificar as ações armadas [do conflito].

Como você vê o direito de Israel de se defender?
Israel é uma potência que ocupa os territórios palestinos. Por um lado, eles não vão por fim à ocupação; por outro lado, dizem que tem que se defender da área que ocupam –há uma contradição.

O dever de proteger seus cidadãos tem que ser considerado ao lado de sua responsabilidade com o território ocupado.

E o direito de se defender não dá a nenhum país uma carta branca para fazer o que quiser.

Como o conflito em Gaza afeta a situação dos palestinos na Cisjordânia?
Desde 8 de julho, quando começou a ofensiva israelense Margem Protetora, 21 palestinos foram mortos na Cisjordânia. É um número alto em comparação com o mesmo período de outros anos.

Com o conflito, aumentam as buscas a casas e as prisões. Os locais de proximidade entre palestinos e assentamentos judeus ficam mais tensos, levando a mais mortes.

Pelas suas críticas a Israel, você é acusado de antissemitismo. É uma acusação válida?
A acusação de antissemitismo é usada contra pessoas críticas a Israel e que mostram solidariedade aos palestinos –e eu não sou uma exceção. Falar de antissemitismo para responder a críticas é uma forma de prevenir o debate e deixar as pessoas com medo de falar.

A luta palestina é anticolonial e antirracista. O antissemistimo não deveria ter espaço na solidariedade aos palestinos.

No Reino Unido, me perguntam porque eu destaco Israel se há há abusos na China ou na Arábia Saudita. Mas Israel já está destacado pelo Ocidente, que o apoia diplomaticamente e o deixa violar leis internacionais. Israel deveria ser tratado pelo ocidente como os outros países que violam direitos são.

Implicitamente, se está dizendo que, entre todos os povos do mundo, somente os palestinos não estão autorizados a ter apoio internacional. Não é a China que está promovendo a limpeza étnica de palestinos ou a Arábia Saudita que está demolindo casas de palestinos. É Israel. Se você tem solidariedade aos palestinos, naturalmente seu alvo vai ser o principal agente responsável.

Por que você é contra a existência de um Estado judaico?
Eu não respeito o direito de Israel existir como um Estado judeu. Eu defendo um único Estado democrático.

A oposição não é pelo fato de ser judeu, mas porque a existência de um Estado racial discrimina cidadãos que não são parte do grupo privilegiado.

Da forma como o sionismo define o Estado judeu –baseado em uma maioria judaica–, não é possível que judeus e não judeus tenham os mesmos direitos.

Os palestinos refugiados, por exemplo, que têm o direito de voltar pra casa, são considerados uma ameaça demográfica ao Estado.

O que você achou da resposta diplomática do Brasil ao conflito em Gaza?
Eu sou do Reino Unido, meu governo constantemente apoia os ataques israelenses. A resposta do Brasil e da América do Sul foi bem melhor do que de outros países, mas não foi suficiente.

A opção de embargo de armas não foi usada. A resposta diplomática é boa, mas no fim é só um pedaço de papel.


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