Folha de S. Paulo


Análise: Japão mostra ambição e vigor inéditos desde a Segunda Guerra

A viagem do premiê Shinzo Abe ao Brasil, encerrada no sábado (2), ocorreu num contexto em que o Japão se lança na arena das relações internacionais com vigor e ambições como não fazia desde a Segunda Guerra.

Agressivo e audacioso na economia e na política domésticas, Abe –considerado por muitos o chefe de governo mais eficiente do mundo atual– também não tem sido modesto na política externa.

Não deixa de ser significativo, embora não passe de mera coincidência, que Abe tenha chegado à América Latina poucos dias depois de o presidente chinês Xi Jinping ter partido do subcontinente.

Desde que assumiu o poder em dezembro de 2012, a China tem sido no exterior o principal adversário de Abe, equivalente à estagnação econômica no campo interno, a qual, ao menos por enquanto, ele vem conseguindo derrotar (após 15 anos, o país deixou de registrar deflação, por exemplo).

Os dois inimigos (China e paralisia econômica) de certo modo andam juntos. Em 2010, o Japão perdeu para a China a posição de segundo maior PIB do mundo, em função da sua própria letargia e do dinamismo da outra.

Com a mesma disposição com que atacou os problemas da economia, Abe começou a contrapor o Japão à China na área da vizinhança comum das duas potências.

Em poucos meses, foi a Mongólia, Vietnã, Tailândia e Indonésia com agenda comercial e política agressiva, com claro propósito de desafiar e se possível esvaziar a influência regional chinesa.

Em 18 meses de governo, esteve em 47 países; Xi, em 19 meses, visitou 23 nações; os dois premiês japoneses anteriores a Abe em 30 meses foram a apenas 18.

Mais do que meras viagens, ele tem feito propostas ousadas (em especial no campo do comércio), adotado retórica nacionalista, com frequência com tom belicoso, e até ensaiado propor a reforma do artigo 9 da Constituição japonesa, que proíbe o país de fazer guerra.

A opinião pública do Japão, que vem dando apoio a Abe, não reagiu bem a essa tentativa de mudar o caráter pacifista da Constituição, e Abe dá sinais de recuo, mas talvez não por muito tempo.

Mesmo na América Latina, é clara sua intenção de mirar a China. Fez uma cúpula com a comunidade de países do Caribe, região de pequena expressão econômica, mas onde seis reconhecem Taiwan.

Com o Brasil, que hospeda metade dos descendentes de japoneses fora do Japão, o objetivo é reanimar relações econômicas que foram muito intensas nas décadas de 60 e 70 e refrear a crescente presença da China, agora o maior parceiro comercial brasileiro.

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA é editor da revista "Política Externa" e Global Fellow do Woodrow Wilson Center


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