Folha de S. Paulo


Análise: Inflexibilidade dos dois lados dificulta uma nova trégua

Quando Israel pôs fim aos seus 38 anos de ocupação da faixa de Gaza ao retirar seus colonos em 2005, o então primeiro-ministro Ariel Sharon definiu a decisão como um "desengajamento" do conflito com os palestinos.

Mas o conflito não acabou: ele só mudou.

Israel continuou expandindo seus assentamentos na Cisjordânia, onde os palestinos também desejam estabelecer um Estado.

Ativistas da linha-dura islâmica tomaram o controle de Gaza em 2007, e os esforços dos EUA para intermediar uma paz permanente entre Israel e a Autoridade Palestina, sob o presidente Mahmoud Abbas, um político laico, se provaram infrutíferos.

Israel fechou as fronteiras de Gaza em um bloqueio econômico sufocante e o movimento Hamas, que governa o território, dispara foguetes, com frequência e alcance cada vez maiores, ainda que não com precisão, contra o Estado judaico.

Israel bombardeou Gaza incontáveis vezes do ar, e ocasionalmente envia colunas blindadas para localizar e destruir as baterias de foguetes e os túneis usados para contrabandear armas do Egito ou infiltrar-se no território israelense.

Os acordos de cessar-fogo organizados por intermediários, sob os quais Israel retira suas forças e os disparos de foguetes se reduzem, serviram para produzir períodos de relativa calma, mas os dois lados não demoram a retornar ao habitual confronto sangrento.

Como nas guerras anteriores em Gaza, o custo em mortes e destruição é desproporcional por conta da imensa superioridade de Israel em poder de fogo moderno e de seu sistema de defesa antimísseis Domo de Ferro, que abateu a maior parte dos foguetes disparados contra as cidades do país.

Mas o ambiente estratégico mais amplo mudou, o que torna mais difícil convencer Israel e o Hamas a baixar as armas.

CENÁRIO SOMBRIO

O Hamas se sente encurralado devido ao seu desentendimento com a Síria, aos laços menos estreitos com o Irã e à derrubada de seus patronos da Irmandade Muçulmana no Egito.

Israel, tendo desdenhado os esforços de paz dos EUA, em um momento de frieza incomum em seu relacionamento com Washington, prometeu uma batalha longa, se necessário, para neutralizar o adversário.

Ao contrário da guerra de 2008-2009 em Gaza, não houve pressão mundial séria pelo fim das hostilidades –além de reprovação amena e intervenções da ONU. Os EUA e os principais países europeus vêm enfatizando o direito de Israel de se defender.

As grandes potências estão distraídas e divididas por outras crises, quanto ao papel da Rússia na Ucrânia, que reaviva velhos antagonismos da Guerra Fria, e quanto ao avanço dos insurgentes jihadistas em Iraque e Síria.

Os detentores das alavancas do poder no Oriente Médio estão polarizados quanto a maneiras de impedir que a região rume para a desordem, depois das revoltas da Primavera Árabe, causadoras da queda de regimes autocráticos que se mantiveram estáveis por muito tempo.

As negociações para uma trégua em Gaza são ainda mais complicadas pelo fato de que Israel e EUA relegaram o Hamas ao ostracismo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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