Folha de S. Paulo


Análise: Para além do Banco dos Brics

Depois da criação do Banco dos Brics, na última reunião em Fortaleza, muito tem se falado sobre o significado do mecanismo e das escolhas da política externa brasileira. Nesta Folha, Matias Spektor relatou como o Brasil poderia ter apostado em uma aliança com o G7 ainda no governo FHC; Alexandre Schwartsman sustenta que, com o Banco, o Brasil paga muito caro por pouco marketing político.

Os argumentos são conhecidos. Os Brics são disformes, com apenas a China como verdadeira potência de primeiro escalão e os outros países a reboque. As economias têm perfis distintos e os sistemas políticos não compartilham dos mesmos valores. A legitimidade das democracias brasileira, sul-africana e indiana estaria em risco ao associar-se com regimes como Rússia e China.

Os apoiadores, por sua vez, sustentam que os Brics são um elemento fundamental do posicionamento do Brasil no sistema internacional. Nos Brics haveria espaço para o questionamento de instituições internacionais que ainda refletem interesses ocidentais (europeus e norte-americanos). O grupo, criado em 2009, seria a prova de que a dinâmica da política internacional mudou em direção a multipolaridade.

O contra-argumento é que China e Rússia fazem parte da velha ordem e não tem interesse em transformá-la. As democracias dos Brics estariam caindo no conto do vigário. Por isso a importância do Banco: é a primeira conquista real do grupo, indo além de pronunciamentos e declarações de princípios.

A verdade é que é cedo para julgar os Brics, ou para fazê-lo pelo funcionamento do Banco. O único exemplo de grupo similar é o G7. Criado em 1975, por iniciativa francesa, o grupo nasceu como G6 incorporando o Canadá no ano seguinte. A discrepância econômica dos países do G7 era, e ainda é, semelhante aos Brics, com os EUA representando o papel da China. Por anos, o G7 não teve nada de concreto a apresentar. Conflitos cambiais e comerciais existiram aos montes na história do grupo e existem até hoje. Nem por isso consideramos o G7 inútil a seus membros ou estes pensam em desfazê-lo.

A melhor narrativa sobre o tema é do Prof. Leonardo Ramos, da PUC-Minas: Hegemonia, Revolução Passiva e Globalização: O Sistema G7/8. Grupos informais como o G7 ou os Brics precisam de tempo para maturar e seus efeitos, coordenação de posições políticas e macroeconômicas, não podem ser medidos na ponta do lápis. Mais que marketing, os Brics são um investimento de longo prazo e suas avaliações devem ter tal fato em conta.

GERALDO ZAHRAN é professor de Relações Internacionais da PUC-SP e autor de "Tradição Liberal e Política Externa nos Estados Unidos" (Apicuri/PUC-Rio)


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