Folha de S. Paulo


Jovens hondurenhos fogem da violência

Anthony O. Castellanos desapareceu do bairro dominado por gangues em que vivia nesta, a cidade mais perigosa de Honduras. Então seu irmão menor, Kenneth, partiu de bicicleta para procurá-lo, iniciando sua busca num lugar conhecido como a "casa maluca", notório reduto de gangues.

Os dois irmãos foram encontrados mortos com poucos dias de diferença entre um e outro. Anthony, 13 anos, e um amigo tinham levado um tiro na cabeça; Kenneth, 7 anos, foi torturado e espancado com pedras e paus. Eles estão entre as sete crianças assassinadas no bairro de La Pradera, em San Pedro Sula, apenas no mês de abril, dentro de uma onda de violência de gangues que vem fazendo vítimas cada vez mais jovens.

MERIDITH KOHUT PARA THE NEWYORK TIMES
Cena de crime em bairro onde sete crianças foram mortas em abril
Cena de crime em bairro onde sete crianças foram mortas em abril

Estatísticas da Patrulha de Fronteiras americana revelam uma correlação forte entre os altos índices de homicídio em cidades como San Pedro Sula e a partida de multidões de adolescentes e crianças para os Estados Unidos.

"A primeira coisa que passa por nossa cabeça é mandar nossos filhos para os Estados Unidos", falou uma mãe de dois filhos em La Pradera, negando-se a dar seu nome por temer represálias das gangues. "A ideia é essa: ir embora."

As crianças hondurenhas estão cada vez mais nas linhas de frente da violência de gangues criminosas. Trinta e duas crianças foram assassinadas em Honduras em junho, elevando o número de menores de 18 anos mortos desde janeiro do ano passado para 409, segundo dados compilados por um abrigo de jovens da capital, Tegucigalpa.

Com duas grandes gangues de jovens e outros grupos do crime organizado operando com impunidade na América Central, analistas dizem que as autoridades de imigração terão dificuldade em impedir a passagem de crianças e adolescentes, a não ser que sejam tratadas as raízes da violência.

Mais de metade das 50 cidades centro-americanas das quais mais menores de idade estão partindo para os EUA ficam em Honduras. Virtualmente nenhuma das crianças vem da Nicarágua, país vizinho onde a pobreza é esmagadora, mas que não possui um índice recorde de homicídios.

"Todo mundo foi embora", comentou Allan Castellanos, 27, tio de Anthony e Kenneth. "Como é possível que um país inteiro esteja sendo subjugado?"

Ele disse que as gangues operam com impunidade total. "Elas mataram todas essas crianças e ninguém fez nada. Quando os promotores quiseram discutir o caso, pediram que fôssemos vê-los em seus escritórios, porque tinham medo de vir para cá."

De acordo com o Observatório de Violência da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, o número de vítimas de homicídio na faixa dos 10 aos 14 anos, que em 2008 tinha sido 40, dobrou para 81 em 2012. No ano passado, 1.013 pessoas com até 23 anos foram assassinadas no país, que tem 8 milhões de habitantes.

Embora os homicídios tenham diminuído muito em 2012 após uma trégua declarada entre gangues no vizinho El Salvador, até agora este ano os assassinatos de menores de até 17 anos subiram 77% em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a polícia.

Em nenhum lugar a partida de crianças e adolescentes é mais notável que em San Pedro Sula, cidade do noroeste de Honduras que, segundo cifras das Nações Unidas, tem o maior índice de homicídios do mundo.

Entre janeiro e maio, mais de 2.200 crianças e adolescentes da cidade chegaram aos Estados Unidos, segundo o Departamento de Segurança Interna -muito mais que de qualquer outra cidade da América Central.

As crianças guatemaltecas que chegam aos EUA vêm de áreas mais rurais, um indício de que sua migração é motivada por fatores econômicos. Os menores vindos de El Salvador e Honduras tendem a vir de regiões extremamente violentas, "onde o risco de viajarem sozinhos aos EUA provavelmente é visto como preferível ao de permanecerem em casa", segundo uma análise do Departamento de Segurança Interna.

MERIDITH KOHUT PARA THE NEWYORK TIMES
Numa estação rodoviária,hondurenhos esperam por ônibus para deixarem a cidade
Numa estação rodoviária,hondurenhos esperam por ônibus para deixarem a cidade

As crianças são assassinadas por se recusarem a entrar em gangues ou devido a vendetas com seus pais. Ativistas em San Pedro Sula sugerem que algumas também são mortas por policiais dispostos a lançar mão de qualquer meio para "limpar" as ruas. No caso da família Castellanos, a polícia disse que o garoto mais velho era olheiro da gangue e tinha decidido abandoná-la. A ordem de matá-lo teria vindo da penitenciária, segundo a polícia.

Em algumas cidades, prédios estão vazios porque quadrilhas que extorquem dinheiro forçaram os donos dos apartamentos a abandoná-los. Algumas pessoas são obrigadas a mudar-se dentro do país, num padrão de deslocamentos comparado por especialistas ao da guerra civil na Colômbia. O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados disse que, entre 2008 e 2013, o número de pedidos de asilo registrados no México, Panamá, Nicarágua, Costa Rica e Belize se multiplicou por sete.

Organizações de defesa de refugiados pedem ao Departamento de Estado que dê tratamento de refugiados aos menores de idade que chegam à fronteira americana, propondo um sistema no qual as pessoas cujos pedidos de asilo fossem aceitos pudessem mudar-se em segurança para os EUA. O mesmo já foi feito com países como o Haiti e o Iraque.

Numa visita recente ao necrotério de San Pedro Sula, mais de 60 corpos foram vistos empilhados. Todos eram vítimas da violência. Enquanto extraíam balas do corpo de um garoto de 15 anos que recebeu 15 tiros, os legistas disseram que recebem regularmente cadáveres de crianças com menos de 10 anos. Na vizinha Santa Barbara, um menino de 11 anos foi degolado por outras crianças porque se recusou a pagar uma taxa de extorsão de US$ 0,5.

"No começo, víamos muitas crianças mortas porque, quando a quadrilha vinha procurar seus pais, elas estavam com eles no carro ou outro local", contou o médico legista Darwin Armas Cruz. "Hoje estamos vendo crianças matando crianças. Elas matam com armas de fogo, facas e até granadas." O médico disse que sua família também está pensando em emigrar.

Colaboração de Meridith Kohut e Gene Palumbo

MERIDITH KOHUT PARA THE NEWYORK TIMES
Roupas foram estendidas em memóriade Kenneth Castellanos, 7, torturado emorto em San Pedro Sula
Roupas foram estendidas em memóriade Kenneth Castellanos, 7, torturado emorto em San Pedro Sula

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