Folha de S. Paulo


Japão quer construir muralha contra tsunami

Quando Masahito Abe olha para o mar que matou mais de 40 de seus vizinhos pouco mais de três anos atrás, ele está certo de uma coisa: em algum momento, talvez muito depois que ele morra, o oceano voltará a arremessar uma onda aterrorizante contra sua aldeia.

Como dezenas de outras comunidades ao longo da costa nordeste do Japão atingidas pelo terremoto e tsunami de março de 2011, Koizumi se tornou terra arrasada. Grama e erva daninha crescem nos terrenos um dia ocupados por casas.

Ninguém vai voltar a morar nas terras baixas de Koizumi, uma aldeia localizada na prefeitura de Miyagi, que abrigava 60% das pessoas que morreram no desastre.

Mas se o governo conseguir o que quer, esse trecho abandonado de terras será protegido contra tsunamis por meio de um plano de R$ 19 bilhões para defender 370 quilômetros de costa por meio de centenas de muralhas altas de concreto.

A escala do projeto, que seus detratores apelidaram de "Grande Muralha do Japão", é espantosa até mesmo sob os padrões de um país no qual boa parte da costa já está protegida por muros de concreto contra tempestades e a erosão.

Sob os planos do governo, 440 muros serão construídos nas prefeituras japonesas mais danificadas -Fukushima, Miyagi e Iwate.

Mas embora o setor de construção aprecie a perspectiva de faturar alto por conta do governo do Partido Liberal Democrata, a oposição entre os moradores vem ganhando ímpeto.

"Desejamos que o governo mude a forma da costa e a redefina de forma a minimizar o impacto de um tsunami, e não que simplesmente construa um monte de muros", disse Abe, professor de escola primária em Koizumi que se mudou com a sua família para o topo de um moro, 20 anos atrás, antecipando a possibilidade de um tsunami mortífero.

O debate quanto aos muros de proteção se provou tão divisivo entre os 1,8 mil moradores da aldeia -agora divididos entre oito complexos temporários de moradia- que alguns deles temem que a tentativa de reviver a aldeia esteja em risco, três anos depois que ela foi varrida do mapa.

Até o final do ano, os habitantes de Koizumi que perderam suas casas serão instalados em casas que estão em construção na encosta de um morro a três quilômetros da costa. O muro de 14,7 metros de altura fará pouco mais do que proteger plantações de arroz, a um custo de US$ 230 milhões.

"É uma loucura", diz Abe, que quer que a área seja um parque ecológico.

As pessoas em campanha contra os muros têm poucos aliados. Yoshihiro Murai, o governador de Miyagi, é a favor, e o primeiro-ministro Shinzo Abe disse em um fórum de moradores que os muros oferecem a melhor proteção contra o tsunami. A mulher dele, Akie, se alinhou cautelosamente aos céticos, alertando quanto aos danos aos ecossistemas e turismo.

Os três mil moradores da aldeia de Fudai devem suas vidas a um muro de 15 metros de altura que costumava ser descrito como desperdício de dinheiro quando foi construído, por insistência do então prefeito, na década de 80. Mas a aldeia é uma exceção. A maioria dos muros oferece proteção inadequada contra o tsunami. Em Kamaishi, as ondas derrubaram o muro de proteção da cidade, então o maior do mundo. As barreiras de concreto podem ter até causado mais mortes, porque as pessoas se deixaram convencer de que estavam seguras.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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