Folha de S. Paulo


Extremistas 'caseiros' intrigam Reino Unido

Em menos de dez minutos, cerca de 200 homens chegam e se aglomeram na sala de oração do centro islâmico Al-Manar, em Cardiff, capital do País de Gales, para o tradicional sermão de sexta-feira.

Identificada, a Folha é orientada a não fazer entrevistas dentro do local, nem gravar imagens. "Você veio falar de futebol, Copa do Mundo?", pergunta, com certa ironia, Barak Albayaty, que chefia o centro, criado em 2009 como entidade sem fins lucrativos (como uma ONG no Brasil). O clima tenso, por volta das 13h de sexta (27), não era à toa.

Foi o primeiro encontro coletivo no Al-Manar após a revelação de um vídeo no YouTube com três jovens britânicos, dois deles de Cardiff, falando em nome do Estado Islâmico no Iraque e no Levante (EIIL), grupo dissidente da Al Qaeda, para lutar na Síria.

Aparecem nas imagens os estudantes Nasser Muthana e Reyaad Khan, ambos de 20 anos, e Abdul Rakib Amin, de 25. Eles defendem a jihad (guerra sagrada) e pedem que mais jovens do ocidente deixem seus países para se juntar ao grupo.

Até o fim do ano passado, Nasser e Reyaad frequentavam semanalmente o Al-Manar, em Cardiff.

Al-Hayat Media Centre/Ho/AFP
 Imagem de vídeo em que Muthana (ao centro), 20, do País de Gales, aparece junto a grupo de jihadistas
Imagem de vídeo em que Muthana (ao centro), 20, do País de Gales, aparece junto a grupo de jihadistas

Largaram a tranquila cidade, família e amigos para se juntar aos jihadistas na Síria. Um irmão de Nasser, Aseel, 17, também estaria na região.

Em Cardiff, amigos os descrevem como estudiosos, pacíficos, com projeção de carreira profissional promissora –Nasser, por exemplo, havia sido aceito numa faculdade de medicina. Nunca teriam dado sinal de que tomariam tal atitude.

Dias antes da descoberta deste vídeo, um estudante de 18 anos, da cidade de Coventry, também foi identificado como membro do grupo EIIL.

O episódio reflete algo que atormenta o governo britânico: estima-se que pelo menos 500 jovens já tenham deixado o Reino Unido para se juntar ao EIIL, que vem ganhando terreno não só na Síria, mas sobretudo no Iraque.

A polícia está em alerta para investigar o recrutamento e barrar o retorno de quem saiu para se juntar a grupos suspeitos de terrorismo.

Ao menos 65 pessoas foram presas nos últimos 18 meses por ligação com ações na Síria. O primeiro-ministro, David Cameron, alertou para o risco de o EIIL atacar dentro do próprio Reino Unido.

INSINUAÇÃO

Em entrevista à BBC, o pai dos irmãos Muthana reconheceu um dos filhos (Nasser) no vídeo e insinuou que a pregação no centro Al-Manar possa tê-los levado ao radicalismo.

Há dois anos, o local recebeu a visita do controverso líder saudita Muhammad al Arifi, proibido de entrar no Reino Unido por causa do discurso extremista.

O administrador do Al-Manar confirmou à Folha que os jovens do vídeo frequentavam o espaço, mas refutou qualquer responsabilidade pela decisão deles de ir para a luta religiosa na Síria.

"Foi uma surpresa vê-los nas imagens, jamais imaginava. Eram prestativos, voluntários aqui no centro", disse Barak Albayaty.

"Veja, olhe aqui: entram e saem várias pessoas, é um espaço aberto. Não incentivamos ninguém a ir para a Síria. A mídia não pode nos responsabilizar por isso", afirmou, apontando a internet como possível meio de propagação da jihad.

Segundo registro no governo britânico, o Al-Manar foi criado para promover a fé islâmica e ajudar os seus seguidores a se capacitar e buscar emprego no Reino Unido.

No sermão de sexta, não se tocou no assunto dos jovens, muito menos em jihad. O encontro foi rápido e conciso.

Barak Albayaty interrompeu as tentativas da reportagem de conversar com quem estava dentro da sala de oração. A não ser que ele estivesse ao lado, como foi o caso do iraquiano Abdulla Mohammed, 17, que diz se recordar dos jovens do vídeo.

Ele também repudia a ideia de qualquer tipo de influência do Al-Manar na decisão deles de ir para a jihad. "Se eles tivessem partido do Brasil, a culpa seria do seu país?", pergunta.

O mesmo tom adotaram os nigerianos Abdulragheed Zurbain, 30, e Isah Muazu, 29. "Cada um tem uma interpretação da religião, independe do local que frequente. Eu venho aqui e nunca ouvi nada de radicalismo", diz Zurbain.

Líderes muçulmanos da cidade também repudiaram qualquer influência da comunidade de Cardiff na ação dos jovens.


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