Folha de S. Paulo


Análise: Pressionado, premiê do Iraque luta para permanecer no cargo

Em seus oito anos no poder, o primeiro-ministro iraquiano Nouri al-Maliki jamais enfrentou tamanha ameaça. Pedaços inteiros de seu país caíram sob o domínio de insurgentes sunitas. Rivais buscam sua queda. Os aliados estrangeiros de seu regime, em Washington e Teerã, estão reticentes, ou pior. Até mesmo os amigos vêm contemplando abertamente sua queda.

Mas o mais habilidoso dos praticantes do jogo político do Iraque não sinaliza intenções de rendição, pelo menos não no futuro previsível.

Os oponentes dizem que Maliki é responsável pela veemência da insurgência, por conta de políticas que alienaram os sunitas, levando as tribos a apoiar uma revolta liderada pelo Isil (Estado Islâmico do Iraque e Levante), que capturou Mosul, a maior cidade do norte do país, em 10 de junho, e desde então vem avançando virtualmente sem oposição na direção de Bagdá.

Washington, embora venha alegando publicamente que não tem intenção de selecionar líderes para o Iraque, deixou claro que deseja uma liderança mais inclusiva em Bagdá. O Irã, que tem grande influência sobre os partidos xiitas iraquianos, está escondendo suas cartas, mas até o momento é perceptível sua falta de entusiasmo por apoiar Maliki.

Até mesmo membros do bloco político do primeiro-ministro agora reconhecem que o combativo político islâmico pode ter de deixar o posto, se o objetivo é montar uma coalizão abarcando grupos xiitas rivais, além de grupos sunitas e curdos, em uma nova coalizão governista.

Seis semanas atrás, Maliki, 64, parecia mais seguro que nunca em sua posição. Sua coalizão Estado de Direito saiu vitoriosa de uma eleição legislativa, conquistando 94 dos 325 assentos do Legislativo. Dois blocos xiitas rivais que esperavam derrubá-lo ficaram bem aquém da votação necessária, conquistando apenas cerca de 30 assentos cada.

Em discurso televisado na manhã seguinte à eleição, Maliki declarou, com sua habitual reserva, que servia a critério da nação.

"Minha mãe não me colocou no mundo para ser primeiro-ministro. Nasci para ser agricultor, trabalhador, estudante ou funcionário público", ele disse. "Para mim servir o país é uma honra".

A despeito das pressões que vêm sofrendo desde então, Maliki ainda pode se manter firme. As disputas entre os políticos de sua chapa e outros candidatos xiitas que aspiram ao seu posto podem permitir que ele saia uma vez mais vitorioso.

O principal aliado de Maliki disse que o primeiro-ministro não deseja encerrar seu mandato como o homem que presidiu à dissolução do Iraque. Algumas pessoas, como Sami Askari, antigo legislador e amigo bem próximo de Maliki, dizem que o Iraque não pode arcar com uma mudança de liderança agora.

É possível que descartar Maliki seja o preço que a coalizão Estado de Direito tenha de pagar, em última análise, para formar uma maioria governante. Os políticos iraquianos dizem que a falta de apoio da parte de Washington e Teerã pode ter dado coragem aos rivais para que exijam a saída de Maliki.

Mas as negociações mal começaram. O Legislativo, dividido por disputas facciosas e de ego, deve retomar seus trabalhos em 1º de julho para iniciar o processo de formação de um novo governo, que pode levar meses, e isso deixaria Maliki provisoriamente no poder, enquanto a guerra contra o Isil continua.

O súbito avanço de grupos armados liderados pelo Isil, cujo objetivo é aniquilar os xiitas, no norte do Iraque deixou Maliki exposto. Os combatentes do Isil vêm recebendo apoio das tribos sunitas que no passado os combatiam amargamente, um sinal da alienação generalizada dos sunitas com relação a Bagdá desde que acabou a ocupação pelos Estados Unidos.

Os críticos de Maliki dizem que seu governo, especialmente nos últimos quatro anos, deve arcar com a culpa pela polarização.

Washington e Teerã estão pressionando por uma solução rápida. Os Estados Unidos insistem em que não escolherão um novo líder para o Iraque, mas o secretário de Estado John Kerry, que se reuniu com Maliki segunda-feira em Bagdá, declarou abertamente que Washington está ciente de que sunitas, curdos e outros xiitas estão insatisfeitos.

As reuniões entre Maliki e diplomatas norte-americanos, na semana passada, foram acaloradas, de acordo com um diplomata ocidental informado sobre as conversações por um participante. Os funcionários norte-americanos informaram a Maliki que ele teria de deixar o posto se não contasse mais com o apoio legislativo necessário a um terceiro mandato, o diplomata afirmou.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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