Folha de S. Paulo


Desigualdade cresce na Suécia e alimenta tensões sociais

Quando o líder da oposição de esquerda sueca, um ex-soldador, visitou uma fábrica desativada numa velha cidade industrial durante sua campanha, não foi para lamentar tempos idos, mas para conferir novos apartamentos de luxo vendidos a cerca de R$ 13.800 o metro quadrado (pouco mais que o metro quadrado da Vila Nova Conceição, em São Paulo).

A visita de Stefan Lofven ao novo empreendimento imobiliário de Eskilstuna, que já foi o berço dos industriários suecos, mostra que até os políticos de esquerda receberam bem os impostos menores e os empréstimos baratos que deram origem a esses empreendimentos luxosos.

"Aceitamos melhor esse tipo de lançamento hoje do que há dez anos. Fomos forçados a ver as coisas com novos olhos", disse Hans Ekstrom, um deputado social-democrata que acompanhava Lofven na visita.

Prometendo não fazer novos cortes nos benefícios sociais, Lofven tem chances de vencer as eleições de setembro com uma coalizão de centro-esquerda, encerrando oito anos de um governo de centro-direita. A virada para a esquerda é prevista em parte porque os eleitores sentem que os cortes de benefícios supervisionados pelo primeiro-ministro Fredrik Reinfeld foram longe demais.

Histórias de escolas em mau estado e de queda na qualidade do ensino alarmaram muitos suecos. Escolas particulares quebraram e houve escândalos envolvendo as empresas de investimento que hoje administram um a cada cinco serviços hospitalares.

Os suecos, invejados na Europa por suas longas licenças-paternidade e generosos subsídios para quem tem filhos, têm se chocado com relatos de que as equipes de casas de repouso para idosos trancam pacientes em armários ou se negam a alimentá-los.

Eles também temem que muito mais pessoas possam ter ficado para trás nos cada vez maiores rombos do sistema após cortes nos benefícios para desemprego e doença.

"Eu trabalho e pago impostos desde os 15 anos. Raramente fiquei doente antes", disse o caminhoneiro Bo Jireteg, 51. Jireteg perdeu sua licença devido a problemas cardíacos, mas passou a ser considerado saudável demais para receber benefícios após mudanças na regra.

"Eu não estou terminalmente doente, mas não tenho saúde para trabalhar."

O partido de Lofven não está sozinho na promessa do fim dos baixos impostos sobre o rendimento. Reinfeldt disse à Reuters que seu governo não tem planos de cortar mais impostos.

"Hoje somos muito competitivos, muito eficientes, então acho que a necessidade de cortar mais impostos não é tão importante quanto no início", disse Reinfeldt.

DESIGUALDADE
Há uma década, a Suécia era um dos países com os maiores impostos do mundo, mas desde então o governo reduziu os impostos de renda e aboliu o imposto sobre a herança. O governo afirma que os cortes, bem como as fortes finanças do governo, ajudaram o país a superar o crescimento da maior parte da Europa desde a crise de 2008.

A carga tributária caiu para 44% do PIB em 2012, menos que a da França ou a da Bélgica e mais ou menos igual à da Itália, segundo dados da Eurostat.

Os suecos que têm emprego viram sua renda disponível disparar e startups como a Mojang - criadora do jogo Minecraft - floresceram.

Os preços de imóveis na antigamente insossa capital, Estocolmo, estão quase tão altos quanto os de Londres, e a cidade hoje dispõe de restaurantes estrelados no guia Michelin, mais carros de luxo e escritórios de design em bairros da moda.

Mas nem todos se beneficiaram igualmente. A proporção de suecos com menos renda do que a metade da mediana nacional cresceu para 9% em 2010. Em 2004, segundo a OCDE, eram 5%.

As vitrines de luxo em Estocolmo e em cidades como Eskilstuna ocultam um crescente senso de desigualdade na classe mais baixa, cada vez mais formada por famílias de imigrantes.

Em maio do ano passado, houve revoltas em Estocolmo em que centenas de jovens - a maioria de famílias imigrantes, segundo as autoridades - queimaram carros e lutaram com a polícia.

"O crescimento da desigualdade significa crescimento das tensões. Simplesmente não aceitamos que a desigualdade cresça", disse Lofven à Reuters.

Em Eskilstuna, o desemprego é de cerca de 15%, quase o dobro da média nacional. Imigrantes que vivem nos velhos subúrbios da classe trabalhadora são vistos como uma ameaça aos empregos e a cidade se tornou uma das mais fortes bases do partido anti-imigrantes Democratas Suecos (SD).

Enquanto ouvia Lofven falar a um grupo de pessoas durante sua visita, o operário Rickard Heikkila, 30, disse estar preocupado com o desemprego no futuro, pois imigrantes letões estavam ocupando empregos de construção no mercado negro.

"Se eles não pagarem impostos, não sobra dinheiro para os nossos hospitais", ele disse.

Sentimentos assim podem complicar a vida de qualquer coalizão de centro-esquerda. O apoio ao SD subiu para cerca de 10% nas pesquisas, atraindo muitos trabalhadores manuais, e pode ser decisivo no equilíbrio do poder depois de setembro.

O PERIGO DO LIMBO
As pesquisas mostram que muitos eleitores passaram a apoiar partidos de extrema-esquerda e extrema direita com os dois maiores partidos convergindo ao centro. Alguns temem que um governo minoritário de esquerda tenha problemas para aprovar qualquer projeto importante se uma extrema-direita tiver presença forte no parlamento.

"Existe uma tendência geral de cansaço de reformas na Suécia", disse Frederik Erixon, diretor do Centro Europeu de Economia Política Internacional, em Bruxelas. "Existe um sentimento na Suécia de que está na hora de tirar férias pelos próximos quatro anos."

Esse limbo seria arriscado, considerando-se um dos principais problemas que a Suécia enfrenta hoje: a dívida das famílias está acima de de 170% da renda disponível.

Apesar de ter recebido alertas do FMI, de o setor bancário ter quatro vezes o tamanho da economia e de os preços de imóveis terem triplicado nos últimos 20 anos, poucos políticos demonstraram vontade de introduzir medidas como amortização obrigatória de hipotecas ou corte de benefícios fiscais para pagamento de juros.

Reinfeldt disse à Reuters que as reformas eram simplesmente caras demais. "O que temos pela frente agora é trazer as finanças públicas de volta ao superávit, e não é possível combinar isso com reformas que custam caro", afirmou.

Os problemas fiscais da Suécia são proibitivos. O país pode precisar levantar 70 bilhões de coroas (cerca de R$ 23 bilhões, ou 2% do PIB sueco) para manter os níveis atuais de benefícios e cumprir as metas orçamentárias dos próximos anos, caso o crescimento siga as previsões.

"Depois da eleição, a Suécia pode não ser mais a menina dos olhos de organizações como a OCDE e o FMI", disse Erixon. "Ela pode acabar virando mais um governo típico da União Europeia com crises políticas e pouca vontade de fazer reformas."


Endereço da página:

Links no texto: