Folha de S. Paulo


Google acata decisão da União Europeia sobre privacidade

Uma histórica decisão contrária ao Google sobre o "direito de ser esquecido", na Europa, cria o risco de problemas para a próxima geração de companhias iniciantes de Internet e de reforçar os poderes dos governos repressivos que desejam restringir as comunicações online, alertou Larry Page, o presidente-executivo da companhia de buscas.

Os comentários de Page em uma entrevista ao "Financial Times" surgiram no momento em que o Google decidiu acatar a decisão da Corte Europeia de Justiça, este mês, e introduzir um mecanismo que pode resultar na retirada de grande volume de informações privadas dos resultados do serviço de buscas, amplamente utilizado, da companhia.

Um formulário online, disponível a partir de hoje, dará a qualquer pessoa na Europa uma maneira fácil de solicitar que a companhia norte-americana censure links a outros sites que, na opinião do solicitante, contenham material desatualizado ou informações prejudiciais a respeito dele.

A companhia espera encontrar um ponto de equilíbrio entre o bloqueio de informações privadas prejudiciais sobre os cidadãos europeus comuns e a preservação de links para conteúdo de interesse público, a exemplo de artigos jornalísticos sobre funcionários públicos e autoridades corruptos.

Para marcar sua nova postura com relação à Europa, a companhia de buscas também planeja anunciar hoje um comitê formado majoritariamente por especialistas externos, com o objetivo de assessorá-la sobre como lidar com suas novas responsabilidades quanto à privacidade.

A decisão ecoa medidas tomadas por outras companhias norte-americanas que sofreram pressão intensa quanto a questões sociais no passado, a exemplo da reação da Nike às críticas de seu uso de produtores terceirizados estrangeiros que exploram a mão de obra e a solicitação da Apple de que uma ONG fiscalize suas práticas trabalhistas na China.

Comandado por Eric Schmidt, presidente do conselho, e David Drummond, vice-presidente jurídico, do Google, o comitê também inclui Jimmy Wales, o presidente da Wikipedia, e outros acadêmicos e antigos funcionários do setor de regulamentação de dados de diversos países europeus.

A decisão da Corte Europeia de Justiça este mês representa o maior revés quanto à privacidade já sofrido na Europa por uma companhia norte-americana de Internet, e expõe uma crescente disparidade transatlântica no trato aos dados pessoais.

Ela surgiu em um momento no qual o Google vem enfrentando crescentes reações adversas em países como Alemanha e França, devido às revelações de Edward Snowden sobre a vigilância norte-americana à Internet, bem como à inquietação quanto ao acordo proposto para encerrar um processo antitruste de Bruxelas contra a companhia.

Page reconheceu que a empresa norte-americana havia sido apanhada de surpresa pela decisão judicial deste mês, e prometeu que o envolvimento dela nas questões de privacidade europeia seria maior.

"Eu gostaria que tivéssemos nos envolvido em um debate real... na Europa", ele disse.

"É uma das coisas que aprendemos com isso, que devemos iniciar o processo de realmente ir às pessoas e dialogar com elas".

Os comentários de Page representam uma mudança de tom significativa para uma companhia que antes sempre adotou posição de defesa forte de seus princípios quanto à completa transparência de informações, o que a conduziu a diversas batalhas judiciais na Europa quanto a questões de privacidade e direitos autorais.

"Agora estamos tentando ser mais europeus e pensar sobre as coisas talvez em um contexto mais europeu", disse Page sobre a nova abordagem.

"Vamos dedicar tempo considerável a dialogar sobre esses assuntos na Europa". No entanto, ele argumentou que o novo regime do continente para a privacidade online tornará as coisas difíceis para empresas iniciantes de Internet, que terão de enfrentar novas camadas de complexidade que teriam prejudicado o Google na época em que a empresa consistia de "três caras em uma garagem".

"Somos uma grande empresa e podemos responder a esse tipo de preocupação e gastar dinheiro com isso para resolver os problemas; para nós isso não é problema", ele disse. "Mas em termos mais amplos, à medida que aumentar a regulamentação da Internet, não veremos mais tanta inovação quanto vimos no passado".

Page também alegou que a decisão encorajaria os regimes repressivos de outras partes do mundo que buscam reforçar a censura online. "Isso será usado por outros governos, que não são tão avançados e progressistas quanto os europeus, para fazer coisas ruins. Outras pessoas aproveitarão a decisão, provavelmente... por motivos que a maioria dos europeus veria como negativos".

COMO OS LINKS OFENSIVOS SERÃO RETIRADOS DA WEB

Quem quer que deseje que o Google remova links sobre informações pessoais, terá de reportar três coisas no novo formulário online que a companhia está oferecendo: o endereço de Internet do material ofensivo, o país em que a pessoa vive, e a explicação do motivo para que considere que esse conteúdo precisa ser removido.

O Google afirma que examinará todas as solicitações sob os critérios definidos pelo tribunal - empregando seres humanos, e não algoritmos, para decidir sobre os pedidos. Os links devem começar a ser removidos a partir da metade de junho. As exclusões acontecerão apenas nos sites europeus do Google, já que a maioria das buscas é local.

Uma busca realizada no Google.com, por exemplo, continuaria a exibir o material considerado negativo. Se o Google não acatar a solicitação ou não for capaz de decidir, as queixas serão encaminhadas às autoridades nacionais de proteção de dados, que estão se preparando para o que pode ser um dilúvio de pedidos.

As autoridades alemãs anunciaram esta semana que estão considerando criar uma nova classe de tribunal para lidar com esses casos.

A Alemanha responde por cerca de 40% dos pedidos de remoção já apresentados. Os usuários serão notificados quando um link for removido, mas não sobre o teor da informação ou seu endereço. Esse é o mesmo sistema adotado em países nos quais os resultados de busca do Google já são censurados.

Mas depois da remoção dos links, o material considerado como invasivo da privacidade continuará a existir nos sites em que o sistema do Google os encontrou inicialmente.

tradução de PAULO MIGLIACCI


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