Folha de S. Paulo


Aliança do Pacífico e Mercosul não são blocos excludentes, diz chanceler do Chile

O Chile quer ser uma ponte entre a Aliança do Pacífico e o Mercosul, os dois principais blocos comerciais latino-americanos. E um não exclui o outro, como diz o chanceler chileno, Heraldo Muñoz, 65. Nesta entrevista, ele diz que o Chile tem um modelo de desenvolvimento "diferente" da Argentina ou da Venezuela, mas defende a convergência dentro do continente.

Felipe Trueba/Efe
O chanceler do Chile, Heraldo Muñoz, fala a jornalista no Ministério de Relações Exteriores, em Santiago
O chanceler do Chile, Heraldo Muñoz, fala a jornalista no Ministério de Relações Exteriores, em Santiago

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Folha - Quando Michelle Bachelet voltou à Presidência, o governo brasileiro disse que queria se aproximar muito do novo governo do Chile. Como será isso na prática?

Heraldo Muñoz - Tem havido um diálogo intenso entre as duas chancelarias. Reunimo-nos antes da posse [de Bachelet, em março] para nos coordenarmos para a primeira reunião da Unasul que, no Chile, trataria da Venezuela [onde ocorriam protestos].

Minha primeira visita bilateral foi ao Brasil. O país indicará um diplomata para integrar a missão chilena no Conselho de Segurança da ONU [o Chile ocupa um assento não permanente até o fim de 2015]. Em troca, o Brasil nos dará informações sobre países onde não temos chancelaria, especialmente os da África.

A nosso convite, os chanceleres do Brasil e da Argentina foram a uma reunião com 170 empresários da Apec [Cooperação Econômica Ásia-Pacífico, na sigla em inglês]. E estamos falando de modalidades de convergência entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico.

A Aliança do Pacífico já foi definida como antídoto para governos de esquerda da região.

Não concordo com essa visão. AP e Mercosul não são blocos excludentes. Há possibilidades concretas de avançar até uma convergência. Em segundo lugar, a política exterior do Chile não é ideológica. Para nós, a AP é um bloco de integração econômica, não ideológica.

Mas parecia ser.

Por isso mesmo nós dissemos de forma clara e categórica: se há alguma intenção de transformar a AP em um bloco político excludente ou supostamente de contraponto ao Mercosul, o Chile não vai compartilhar.

Aspiramos ser um país-ponte e também porto em direção à Ásia e ao Pacífico. É evidente que, para isso, é preciso que os países do Atlântico exportem seus produtos (para a Ásia) através dos portos chilenos. Só estar alinhado à AP não nos serve. A nossa ideia é de convergência na diversidade. Temos um caminho de desenvolvimento diferente, quem sabe, da Argentina ou da Venezuela.

Os países do Mercosul seriam populistas?

De nenhuma maneira. Os empresários chilenos, por exemplo, estão investindo e criando 100 mil postos de trabalho no Brasil. Temos com o país, bilateralmente, uma liberação comercial de 98%. Com a AP, de 92%. É um mito dizer que aqui existe um bloco mais liberal.

O senhor acredita que um dia o continente poderá se juntar em um só bloco?

Quem sabe, em um horizonte mais distante, isso seja factível. Mas hoje é preciso, de maneira pragmática, começar um processo de diálogo gradual e de complementaridade. Vou levar uma série de ideias à próxima reunião de chanceleres do Pacífico, no México. Não queremos colocar um freio na AP, mas sim enxergar o que é factível com o Mercosul, como uma convergência alfandegária, facilitação do turismo, integração cultural.

Podemos usar o conceito das distintas velocidades da União Europeia, que permite aos países avançar mais rápido que os outros, caso o queiram.

Seria o que o senhor chama de uma só voz no continente?

Sim, uma só voz no continente, o que é fundamental hoje num mundo que negocia em blocos. Se a América Latina não é capaz de se colocar de acordo, vamos ficar à margem. Hoje em dia, no G20, há três países:
Brasil, México e Argentina. Não há coordenação entre eles. Corremos o risco de perder as oportunidades que estão se abrindo em nível global.

Que balanço faz da participação da Unasul no diálogo com a Venezuela?

Quando fomos a Caracas, fizemos gestões muito difíceis. Falamos com o governo primeiro, depois com a oposição, buscando espaços de interlocução entre eles. Conseguimos recompor algo da confiança [entre as partes]. O momento é difícil: a oposição fala que as conversas estão congeladas. O fato é que, desde o início do diálogo, não tem havido mortes.

A Unasul fez questões duras para o governo?

Sim. Nos diálogos com o presidente Maduro, fomos muito francos. Mas não vou falar do que tratamos porque foram diálogos privados. Cabe aos venezuelanos chegar a um acordo. A Unasul não pode fazer o que eles não estejam dispostos a fazer.


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