Folha de S. Paulo


Visita do premiê indiano ao Paquistão pode ser benéfica para os dois países

Nos últimos dois dias, os bulevares largos e arborizados de Déli estão sofrendo congestionamentos de trânsito piores que os habituais. A causa são os inumeráveis "movimentos de VIPs", jornadas empreendidas por pessoas consideradas importantes o bastante para que todo o restante do tráfego seja suspenso, às vezes por horas, no jargão burocrático do sul da Ásia.

Os mais momentosos "movimentos de VIPs" da semana foram os de Narendra Modi a caminho de sua posse como o 15º primeiro-ministro da maior democracia do planeta, na noite de segunda-feira (26 de maio).

Mas ontem, surgiu a intrigante possibilidade de outra espécie de movimento - a mais ambiciosa até o momento na espantosa carreira de um homem que subiu à liderança de 1,25 bilhão de pessoas.

O movimento em questão seria uma viagem ao Paquistão, o país vizinho e hostil contra o qual a Índia já travou três guerras. Uma visita como essa - se bem sucedida - poderia propiciar uma cascata de consequências benéficas para os dois país países, e muito mais.

Alguns meses atrás, a possibilidade de que Modi, um hindu nacionalista, propusesse paz a um Estado muçulmano como o Paquistão parecia modesta. Mas Modi surpreendeu os observadores na semana passada ao convidar Nawaz Sharif, o primeiro-ministro paquistanês, para sua cerimônia de posse.

O convite de Modi, um homem detestado em boa parte do mundo muçulmano por seu fanatismo sectário, criou um dilema para Sharif, líder da Liga Muçulmana do Paquistão, um partido conservador. Mas a despeito de oposição aberta em seu país, ele voou a Déli, causando mais fechamentos de ruas, e se tornou o primeiro chefe de governo do Paquistão a assistir à posse de seu colega de posto na Índia.

Uma reunião de 50 minutos entre os dois, ontem, pouco produziu de substancial - Modi reiterou as já antigas queixas indianas sobre ataques terroristas lançados de território paquistanês para causar estragos em seu território e contra seus cidadãos, Sharif pronunciou platitudes sobre uma "oportunidade histórica" -, mas mesmo a banalidade do discurso diplomático habitual não foi capaz de ocultar uma sensação inesperada de otimismo.

O convite a Modi para que este visitasse o Paquistão animou ainda mais os espíritos.

O predecessor de Modi, Manmohan Singh, sempre desejou visitar o Paquistão, durante seus 10 anos no governo, mas foi impedido pelo seu partido, o do Congresso, de centro-esquerda. As poderosas credenciais nacionalistas de Modi, e a vitória esmagadora de seu Partido Bharatiya Janata (BJP) abrem outras possibilidades.

"Se surgir algum ímpeto e os dois lados retomarem negociações com seriedade, seria possível imaginar uma visita", disse Manoj Joshi, comentarista político em Déli.

Essa não é a primeira vez que surge esperança de progresso. Sharif disse que os dois países, ambos dotados de arsenais nucleares, poderiam "seguir as pegadas" de uma visita anterior ao Paquistão por um primeiro-ministro do BJP, Atal Bihari Vajpayee, em fevereiro de 1999.

Ainda que a visita tenha resultado em um tratado recebido entusiasticamente por todos, não preveniu que uma curta guerra lançada pelas forças armadas paquistanesas meses mais tarde provocasse novo congelamento nas relações.

Vajpayee visitou o Paquistão de novo em 2004, quando uma conferência de cúpula regional propiciou novo ímpeto aos esforços de paz. Eles perduraram até que militantes baseados no Paquistão lançassem um ataque espetacular e sangrento a Mumbai, a capital comercial indiana, em 2008.

Mas Sharif e Modi contam com fortes mandatos e parecem convencidos de que é possível construir relações melhores por meio do comércio.

Entre os obstáculos a uma conexão mais calorosa, o maior é a suspeita mútua. Ainda parece improvável que surja progresso sério no futuro imediato. Mas se os movimentos de VIPs na capital indiana nos dois últimos dias resultarem em movimentos internacionais mais ambiciosos, os motoristas de Déli podem um dia decidir que a espera valeu a pena.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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