Folha de S. Paulo


Mulheres têm rixa com ultraortodoxos em cidade de Israel

A psicóloga Gabriela Schwartz ainda se lembra da infância no Uruguai, quando colegas de escola tentavam ofendê-la usando o apelido "judia", com tom pejorativo.

Há dez anos, ela mudou-se para Israel e passou a viver na cidade de Beit Shemesh, onde segue os ritos ortodoxos do judaísmo. Mas, ali, ela voltou a ser alvo de preconceito. Dessa vez, passou a ser chamada de "gentia", termo que designa alguém não judeu.

Schwartz tornou-se, assim, uma das vítimas do conflito social que divide essa cidade, opondo ultraortodoxos (chamados de "haredim") ao restante da população.

Menahem Kahana/AFP
Judeus ortodoxos discutem com um homem secular na cidade de Beit Shemesh, Israel
Judeus ortodoxos discutem com um homem secular na cidade de Beit Shemesh, Israel

A briga vai para um tribunal em junho, onde um grupo de mulheres que se dizem discriminadas irá processar a Prefeitura e pedir compensação financeira pelo dano.

Para os extremistas religiosos, falta em cidadãos como Schwartz –mesmo que sigam os preceitos da religião– a modéstia necessária para a vida em comunidade.

A cidade tem atualmente diversos cartazes recomendando às mulheres que se vistam cobrindo braços, pernas e cabelo.

Em determinados pontos, os anúncios pedem que elas não usem as mesmas calçadas que os homens. Nos ônibus, a sociedade impõe segregação entre sexos.

"Eles têm dificuldade para entender que as pessoas podem ser diferentes deles", diz Schwartz à Folha. Há quatro semanas, ela foi cercada e insultada por ultraortodoxos na rua e teve de fugir. Hoje, muda o caminho para casa, evitando as áreas religiosas.

"Para os seculares, a cidade é para todos", diz Nili Philip. "Para os religiosos, tudo na cidade é só deles". Assim, diz ser constantemente agredida quando se aproxima de regiões de população ultraortodoxa.

Em 2008, homens cercaram sua filha, então aos 14 anos de idade, e lhe intimidaram dizendo que não estava vestida com modéstia.

No mesmo ano, ultraortodoxos cuspiram no rosto de Philip, "apesar de eu estar de mangas compridas". "Nos anos seguintes, isso se tornou um incidente frequente, com eles me chamando de vadia e cuspindo em mim."

Em 2011, Philip foi alvo de uma pedrada, enquanto andava de bicicleta. Um mês depois, homens religiosos tentaram invadir a escola onde sua filha estudava, por misturar seculares a religiosos. "Foi quando comecei a sair da minha concha", diz.

Ela é uma das três mulheres que estão processando a Prefeitura de Beit Shemesh pelos anúncios que consideram discriminatórios contra as mulheres. A ação legal pede a retirada das placas e o pagamento de cerca de R$ 200 mil para cada uma.

ESTATÍSTICA

A cidade em que vivem Schwartz e Philip é distinta daquela que escolheram como lar. Nos anos 1990, não havia registro de "haredim" entre seus moradores. Atualmente, mais de 40% dos 80 mil habitantes são ultraortodoxos. Moshe Abutbul, atual prefeito da cidade, é parte da comunidade "haredi". Ele foi reeleito ao cargo, neste ano.

A Folha visitou uma das principais sinagogas de Beit Shemesh, onde se reúnem os ultraortodoxos que lideram a vida religiosa na cidade. Na frente dela, há uma placa que sugere às mulheres caminhar na calçada oposta.

A reportagem encontrou ali diversos homens que não quiseram expor seus argumentos. A liderança religiosa se recusa a ser entrevistada. Apenas um homem, que não revela seu nome, concorda em discutir o assunto.

"Eles querem que nós sejamos como eles", afirma, enquanto prepara uma xícara de café misturando um bloco de manteiga à bebida. "Mas nós não queremos."

O ultraortodoxo diz que é exagero que mulheres sejam discriminadas ou apedrejadas, na cidade. "Só queremos que nos deixem em paz."

"Somos religiosos, então nunca reunimos homens e mulheres no mesmo lugar, durante nossas vidas. Pedimos que elas não passem por aqui. Elas podem usar a outra calçada. Não é obrigatório. Caso elas discordem, ninguém vai dizer nada", argumenta o ultraortodoxo.

A reportagem da Folha não testemunhou nenhum ato de agressão, durante sua visita. Mas os episódios de violência não são incomuns em bairros religiosos, incluindo a região de Mea Shearim, na cidade de Jerusalém –onde o carro do repórter já foi apedrejado, em um sábado, o dia sagrado para judeus.

Para Schwartz, que fez campanha por um candidato secular (derrotado) durante as eleições municipais, o crescente extremismo entre as comunidades religiosas é sintoma de um mal estar mais complexo na sociedade israelense.

"As pessoas precisam de respostas, em tempos de crise econômica, e os líderes políticos não dão nenhuma", afirma. Eles estão ocupados, escondidos atrás de temas como Irã, Síria e Líbano, enquanto a pobreza cresce."

As mulheres unidas contra Beit Shemesh irão à corte em 16 de junho, representadas pela advogada Orly Erez, especializada em casos de discriminação. "A Prefeitura está agindo contra a lei", afirma a defensora.

Erez observa que a lei israelense proíbe discriminação como a dos cartazes que pedem que mulheres se vistam com "modéstia". A exclusão de mulheres é também ilegal. "A Prefeitura é negligente com os avisos, que podem ofender a população."

Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Beit Shemesh não respondeu, até a conclusão desta edição, a um pedido de entrevista.


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