Folha de S. Paulo


Refugiados de Mianmar têm vida precária, mas temem volta ao país

Padoh (nome fictício), 38, não guarda boas lembranças de sua terra natal, Mianmar (ex-Birmânia).

Obrigado a abandonar o vilarejo onde cresceu, Padoh fugiu com a família após testemunhar a morte do avô por soldados do Exército. Aos 16 anos, integrou o grupo armado da União Nacional Karen, a organização de um dos 135 grupos étnicos do país.

Frustrado por divisões internas, Padoh deixou a resistência e conseguiu reunir os cerca de 30 mil bahts (cerca de R$ 2.000) que cobrava uma quadrilha para levá-lo à vizinha Tailândia.

Trabalhando ilegalmente na capital, Bancoc, soube que o restante de sua família –a mãe e o irmão– tinham morrido de malária no campo de refugiados de Nupo. Hoje, Padoh se diz triste por ter sido obrigado a fugir, mas não pretende retornar. Mianmar não é mais uma possibilidade.

Padoh não representa um caso isolado. Pesquisa organizada pela antropóloga alemã, Laura Hornig, 34, indica que a maioria dos refugiados birmaneses na Tailândia não pretende retornar a Mianmar.

Concedidos de outubro de 2013 a março de 2014, os mais de 80 testemunhos que integram o estudo realizado para a Universidade de Hamburgo, na Alemanha, são apenas indicativos de um ambiente de maciça descrença em relação às reformas políticas em curso nos últimos anos e à gradual abertura democrática propalada pelo governo.

Desde 2011, o governo civil encabeçado pelo presidente e ex-comandante militar Thein Sein tem implementado medidas graduais de abertura. Ainda assim, os mais de 80 mil refugiados registrados na Tailândia que aguardam nos nove campos da fronteira não parecem dispostos a serem repatriados.

"Os únicos que voltariam são os mais idosos, que gostariam de morrer em sua terra natal", declara Hornig. "Fora das plantações não existe qualquer perspectiva de trabalho para eles."

"Por pior que sejam as condições nos campos de refugiados, lá os jovens têm segurança e hospitais. Concluem a formação escolar, aprendem a cozinhar, a consertar uma moto, entre outras atividades", afirma, referindo-se ao auxílio de dezenas de ONGs internacionais situadas na região.

ESCASSEZ

A pesquisa foi realizada em Mae La, o maior dos nove campos da fronteira. Instaurado em 1984, um amplo vilarejo onde casebres de bambu e palma se estendem pelas colinas. A região é controlada pela polícia tailandesa.

Nesta crescente comunidade, o ambiente tem sido de apreensão.

"Houve cortes nas rações de arroz oferecidas pelo governo, e muitos veem isso como um sinal de que serão expulsos dali. Muita gente gostaria de se reacomodar em um terceiro país, mas não pode porque não é registrado nas Nações Unidas nem no governo tailandês."

Os registros cessaram em 2006. Todos os que chegaram após esta data –o que representa, segundo Hornig, cerca de 40% da população nos campos– não recebem as rações e não podem ser transferidos a outros países. Muitos se veem obrigados a buscar trabalho fora do campo, ilegalmente.

"Há idosos que passaram 20 anos no campo. E jovens que não sabem o que é a vida fora dali", afirma.

Embora as redes de comunicação com Mianmar sejam escassas, chegam boatos sobre as guerrilhas em curso e trabalhos forçados.

Segundo Dave Lungen, líder da equipe de socorro de Free Burma Rangers, uma organização humanitária com base no país, o governo central continua a incentivar a perseguição a etnias em seu território.

"No final de 2013, o Exército atacou um campo da etnia kachin. Incendiou abrigos, pilhou os estoques de arroz e expulsou mais de 2.000 pessoas que tiveram de fugir novamente", afirma Lungen.

"Em janeiro deste ano, o Exército continuou a atacar a cidade de Kyauk Mae, ao norte do distrito de Shan, prendendo moradores e torturando líderes locais."

A ajuda humanitária é ainda bloqueada às populações deslocadas em diversos distritos. Com incentivo de políticas e ações governamentais, os rohingya, etnia mulçumana na região de Arakan, são alvo de limpeza étnica por uma facção extremista do budismo.

"O confisco de terras e abusos na aplicação da lei das terras se intensificaram com as invasões oficiais."

De acordo com depoimentos dos refugiados, a abertura é uma fachada para perpetuar antigos grupos militares no poder.

"Os refugiados dizem que não viram nenhuma mudança e que não confiam no governo. Até que isso aconteça, não vão querer retornar", sentenciou Hornig.


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