Folha de S. Paulo


'Ser preto da África é obstáculo', diz homem que fugiu do Congo

O desconhecimento dos brasileiros e até de órgãos públicos e privados da condição legal de um refugiado é um dos principais entraves para a inserção desse grupo na estrutura socioeconômica do país, segundo especialistas e as entidades que prestam ajuda aos imigrantes.

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As queixas incluem recusa da abertura de conta em bancos, dificuldade de obtenção de diploma de ensino médio e rejeição por empregadores após a descoberta da condição de refugiado.

"Vi que ser preto da África e ainda refugiado pode ser um obstáculo", diz um congolês que não quis ter o nome divulgado por medo de represálias. Ele afirma que seu pai foi assassinado por militares da República Democrática do Congo. Com provas que incriminam o governo, diz ele, foi perseguido e fugiu para o Brasil em um navio.

"As pessoas acham que refugiado é alguém que cometeu crime, mas ele é uma vítima que sofreu muito e chega em condições precárias, traumáticas e precisa de uma oportunidade", diz Andrés Ramirez, do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados).

A discriminação é tanta que até a palavra "refugiado" foi removida pelo Conare das documentações desses estrangeiros e substituída pelo número 9.474/97, referente à lei sobre o tema.

Para desmistificar a questão do refúgio, a Caritas Arquidiocesana de São Paulo e o Adus (Instituto de Reintegração do Refugiado) fazem campanhas em escolas, universidades e empresas sobre o tema e oferecem aulas de português, com ajuda de parceiros, e espaços de interação entre refugiados e brasileiros.

"É uma forma de evitar atos de preconceito e facilitar o processo de integração deles aqui", diz Marcelo Haydu, diretor do Adus.

"Recentemente, fizemos ações de conscientização junto ao setor bancário para sensibilizarmos sobre essa questão", afirma Larissa Leite, da Caritas.

O Parr (Programa de Apoio para Recolocação dos Refugiados), voltado à inserção deles no mercado de trabalho com chancela da ONU, trabalha o tema com a iniciativa privada. O grupo conta com quase 400 currículos no banco de dados, 61 empresas cadastradas, sendo que 19 já abriram de fato vagas para refugiados e solicitantes de refúgio e 14 contrataram.

"Sensibilizamos as empresas para mostrar que o refugiado é uma mão de obra boa e de baixo turn over [rotatividade] porque ele se agarra a primeira oportunidade para recomeçar a vida", diz João Marques, idealizador do projeto.

Para juntar esforços, a secretária da Justiça, Eloisa de Sousa Arruda, oficializou em março a abertura do primeiro escritório do Acnur em São Paulo.

Editoria de Arte/Folhapress

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