Folha de S. Paulo


'Abstenção do Brasil na crise da Ucrânia é atitude estranha', diz chanceler sueco

O silêncio do Brasil sobre a anexação da Crimeia pela Rússia é "estranho". Essa é a opinião do chanceler da Suécia, Carl Bildt, que está no Brasil para participar do Encontro Multissetorial Global sobre o Futuro da Governança da Internet, que começa hoje em São Paulo.

Por orientação da presidente Dilma Rousseff, o governo brasileiro não faz críticas à ofensiva russa na Ucrânia, para não causar mal-estar na cúpula dos Brics, grupo que reúne Brasil e Rússia (além de China, Índia e África do Sul) e que se reunirá em Fortaleza (CE) em julho.

Ex-premiê sueco e ex-mediador da guerra na Bósnia, Bildt é um dos chanceleres europeus mais influentes e atuantes na crise ucraniana. Tuiteiro frenético, com 280 mil seguidores e várias mensagens publicadas por dia, ele também é um dos líderes mais críticos à Rússia.

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Folha - Recentemente, o sr. afirmou que caso a Rússia "escalasse" suas ações na Ucrânia, a União Europeia teria de escalar sua reação também. O que deve ser feito nesse momento de tensão crescente?
Carl Bildt - Estamos preparados para adotar medidas adicionais contra a Rússia.

O que nós vimos desde o acordo de Genebra da semana passada, que dizia que os grupos armados [pró-Rússia] deveriam deixar os edifícios que eles ocuparam, é que nada disso ocorreu. E tampouco vi a Rússia se comprometendo publicamente com isso.

Simela Pantzartzi/Efe
Bildt em reunião com chanceleres europeus no início do mês
Bildt em reunião com chanceleres europeus no início do mês

Como a UE, que depende do gás russo, pode punir a Rússia sem punir a si própria?
Nós podemos fazer muitas coisas. A economia da UE é mais de 20 vezes maior que a da Rússia. Mas eu não acho que isso seja o principal. O mais importante é nós ajudarmos a Ucrânia. A Ucrânia é um país que foi atacado, e parte de seu território foi roubada. O país está em uma situação econômica muito difícil. E nós apoiamos a Ucrânia como um país independente, democrático e com fronteiras oficialmente reconhecidas.

É muito difícil adotar sanções econômicas contra a Rússia por ela ser uma grande fornecedora de petróleo e gás?
A Noruega é um fornecedor quase tão importante quanto a Rússia. A Rússia depende mais da receita das exportações de gás do que a UE depende do gás. Hoje, a Rússia prejudica mais a si mesma do que as sanções a prejudicam. Se há uma coisa que é importante para investidores é previsibilidade, e a Rússia se tornou um país imprevisível. É impossível achar um empresário do mundo industrializado que esteja planejando em sã consciência investir na Rússia.

Em termos práticos, o que pode ser feito?
O mais importante é ajudar a Ucrânia. Estamos debatendo um pacote do FMI de cerca de US$ 25 bilhões para estabilizar a economia. Vamos enviar cerca de mil observadores para as eleições presidenciais de 25 de maio, que a Rússia quer sabotar.

Por que ninguém está discutindo sanções diretamente contra Putin?
Eu não acho que ele tenha oficialmente nenhum patrimônio no Ocidente.

Como o senhor vê o posicionamento do Brasil na crise ucraniana?
Não vi posicionamento. Achei estranho o país se abster na votação da ONU que condenou a anexação da Crimeia pela Rússia. Nós somos países com um interesse fundamental em uma ordem mundial baseada em regras. Não queremos ter uma ordem com países que acham que podem fazer o que querem.

O sr. esperava que o Brasil condenasse as ações russas?
Quando uma violação clara à carta da ONU acontece, é de esperar que países que normalmente enfatizam a importância do sistema das Nações Unidas sejam razoavelmente claros. O uso da força não é o certo. As leis é que são.

O senhor acha que a Rússia vai tentar anexar partes do leste da Ucrânia?
Acho que não. Mas eu não esperava que Putin anexasse a Crimeia, porque até para ele era ir longe demais. Ele tem uma estratégia para desestabilizar a Ucrânia e não excluo a possibilidade de tentar estabelecer semi-Estados na Ucrânia sob controle russo.

O senhor espera que o escândalo da espionagem da NSA influencie as discussões do encontro sobre governança da internet?
O escândalo da espionagem e a governança da internet são duas questões fundamentalmente diferentes, embora muitas vezes sejam confundidas no debate público. Não importa como organizemos a internet, haverá regimes que vão continuar fazendo vigilância.

Nas negociações para o acordo de livre-comércio entre UE e Mercosul, por que não houve ainda troca de ofertas, que era esperada em dezembro?
Nós não sabemos exatamente quem está do outro lado da mesa de negociações, por causa da relação entre Brasil e Argentina. Isso precisa ser resolvido.


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