Folha de S. Paulo


Putin e televisão incitam onda de nacionalismo na Rússia

O banner enorme foi desenrolado em 11 de abril diante de uma das maiores livrarias de Moscou, a Dom Knigi.

O local fica em frente a uma agência do Citibank, a uma loja de sorvetes da marca Baskin-Robbins e a uma filial da Dunkin' Donuts, e no mesmo quarteirão de um cinema que atualmente exibe "Capitão América 2: O Soldado Invernal".

Alexander Zemlianichenko Jr./Associated press
Membros do Partido Comunista agitam bandeira em ato a favor da anexação da Crimeia em Moscou
Membros do Partido Comunista agitam bandeira em ato a favor da anexação da Crimeia em Moscou

Além dos dizeres "Quinta Coluna" e "Estranhos Entre Nós", o banner mostrava retratos em preto e branco de três conhecidas figuras da oposição ao governo russo e de dois roqueiros dissidentes da época soviética, assim como dois alienígenas de aparência ameaçadora.

Um deles segura uma pasta com a fita branca que virou símbolo dos protestos políticos contra o presidente Vladimir Putin e o governo russo.

Desde o momento em que a Rússia invadiu e anexou a Crimeia, houve um novo esfriamento nas relações com o Ocidente e um nacionalismo sinistro, incitado pela televisão sob controle estatal e pelo próprio Putin, se dissemina nessa capital intranquila.

"Alguns políticos ocidentais já estão nos ameaçando não só com sanções, mas também com a perspectiva de problemas internos cada vez mais graves", disse o presidente em um discurso anunciando planos para a Federação Russa absorver a Crimeia.

"Eu gostaria de saber exatamente o que eles pretendem: ações a cargo de uma quinta coluna, esse punhado diversificado de 'traidores da pátria', ou será que esperam nos colocar em uma situação social e econômica pior a fim de provocar a insatisfação pública?"

Hoje, Moscou é uma cidade de perfil internacional, onde skatistas no parque Gorky usam bonés dos Yankees de Nova York que compraram durante férias nos Estados Unidos, e onde bolsas de grifes francesas e italianas podem ser provenientes de Paris ou Milão, ou de uma das butiques na praça Vermelha.

Desde a incursão militar na Crimeia, porém, veem-se bandeiras russas penduradas nas janelas de edifícios por toda a cidade.

Agora também há um site cujo nome traduzido significa "traidor.net", com fotos e citações de figuras públicas contrárias à política da Rússia em relação à Ucrânia. O site convida os visitantes a "indicarem um traidor".

Sob a direção de Putin, um comitê liderado por seu chefe de gabinete está desenvolvendo uma nova "política estatal para a cultura".

Essa política, que possivelmente se tornará lei, enfatiza que "a Rússia não é a Europa" e instiga "uma rejeição aos princípios do multiculturalismo e da tolerância".

O projeto pretende salientar que a Rússia é "uma civilização singular com um governo de Estado", segundo reportagens que citaram Vladimir Tolstoi, conselheiro presidencial para cultura.

O site de notícias russo znak.com também relatou recentemente que uma série popular de livros de matemática seria excluída da lista oficial de textos educativos recomendados, pois usava de forma exagerada personagens de contos de fadas e estrangeiros em suas ilustrações.

"O que vemos nas primeiras páginas? Gnomos e Branca de Neve, que são representativos de uma cultura de língua estrangeira", declarou ao site Lyubov Ulyakhina, especialista da Academia Russa de Educação.

"Aqui há macacos, Chapeuzinho Vermelho", continuou ela, "e dos 119 personagens desenhados somente nove são ligados à cultura russa. Não é uma questão de mero patriotismo, mas na nossa mentalidade isso não é engraçado."

Este mês, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia advertiu seus cidadãos para que não viajem para países que tenham tratados de extradição com os Estados Unidos.

A Chancelaria alega que o governo Obama "está tentando impor uma prática rotineira de 'caçar' cidadãos russos em terceiros países, visando sua subsequente extradição e condenação nos EUA, geralmente com base em acusações questionáveis".

Em alguns casos, a linguagem xenofóbica é acompanhada de perseguição mais acirrada a adversários políticos e a alguns veículos da mídia.

No dia em que forças russas foram enviadas à Crimeia, Aleksei A. Navalny, o líder da oposição e blogueiro que denuncia a corrupção, foi posto em prisão domiciliar devido a um dos vários processos -amplamente considerados como de motivação política- movidos contra ele muito antes de se pronunciar contra as políticas de Putin em relação à Ucrânia.

Em 11 de abril, promotores anunciaram um novo processo contra Navalny, desta vez envolvendo acusações de que ele e seu irmão Oleg roubaram cerca de US$ 1 milhão (R$ 2,2 milhões) ao cobrar exageradamente por serviços de entrega ligados à empresa de cestaria de seus pais.

O grupo Glavplakat, até então desconhecido, publicou uma declaração em seu próprio site assumindo a responsabilidade pelo banner diante da livraria e prometeu mais arte nas ruas em apoio a sua cruzada contra os traidores.

Boris Nemtsov, velho líder da oposição e ex-primeiro-ministro suplente na gestão de Boris Yeltsin, que figurava no banner, escreveu no Facebook que a situação atual parece pior do que durante a Guerra Fria.

"Em minha opinião, nem na União Soviética as coisas eram desse jeito", comentou Nemtsov.

Dmitry Kiselyov, um conhecido apresentador de televisão, declarou durante um noticiário noturno em março que a Rússia continua sendo "o único país no mundo capaz de transformar os EUA em cinza radioativa"

Tradução de LUIZ ROBERTO GONÇALVES


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