Folha de S. Paulo


Religiosos radicais usam redes sociais para apoiar jihadistas britânicos na Síria

Dois líderes religiosos radicais muçulmanos foram identificados como influentes sustentáculos online dos combatentes estrangeiros que buscam derrubar o presidente sírio Bashar Assad, de acordo com um estudo acadêmico pioneiro publicado hoje.

Pesquisadores do King's College, de Londres, revelam como a mídia social está sendo utilizada por uma rede de pregadores radicais a fim de inspirar e orientar os muçulmanos ocidentais envolvidos na jihad da Síria.

Ao examinar tweets e posts de Facebook usados por certos rebeldes, pessoas que acompanham o conflito do exterior e pelos dois religiosos, os acadêmicos dizem que foram capazes de obter uma "janela única, sem filtro, para as mentes" dos combatentes estrangeiros ocidentais e europeus na Síria.

As informações permitiram que os analistas identificassem um "conjunto de novas autoridades espirituais", com os maiores números de seguidores. O relatório afirma que os dois nomes identificados são o de Ahmad Musa Jibril, líder religioso baseado nos Estados Unidos, e o do pregador australiano Musa Cerantonio - os dois falam inglês e são radicados no Ocidente.

Ainda que não haja provas para sugerir que estejam fisicamente envolvidos em facilitar o fluxo de combatentes estrangeiros para a Síria, ou de que estejam coordenando suas atividades com organizações jihadistas, os dois desempenham papel importante como "líderes de torcida". "Fica claro que são figuras importantes cujas mensagens políticas, morais e espirituais são consideradas atraentes por muitos dos combatentes estrangeiros", concluem os pesquisadores.

"A Síria pode ser o primeiro conflito em que grande número de combatentes ocidentais vem documentando seu envolvimento em tempo real, e no qual a mídia social, por sua vez, representa uma fonte essencial de inspiração e informação para eles", conclui o relatório, produto de um estudo de um ano de duração.

A equipe do King's College conseguiu montar um banco de dados que hoje inclui perfis online de 190 combatentes ocidentais e europeus, a maioria dos quais afiliados aos dois mais importantes grupos que combatem o regime de Assad - o Jabhat al-Nusrah e o Estado Islâmico do Iraque e Sham (Isis).

No geral, os pesquisadores estimam que haja 11 mil combatentes estrangeiros na Síria, 2,8 mil dos quais europeus ou ocidentais. Investigadores antiterroristas no Reino Unido acreditam que cerca de 400 britânicos tenham ido à Síria participar da jihad, e expressaram preocupação com o que pode acontecer no Reino Unido caso retornem.

Um total de 12 mil pessoas "curtiram" e receberam atualizações de Cerantonio no Facebook, e ele é "mais explícito no endosso à jihad violenta" do que Jibril, de acordo com pesquisadores do Centro Internacional para o Estudo do Radicalismo, no King's College.

GUERRA CONTRA OS EUA

Em um post de dezembro passado, visto pelo "Guardian", Cerantonio apela por assassinatos e por guerra contra os Estados Unidos. "Se virmos que muçulmanos estão sendo mortos pelos líderes tirânicos dos Estados Unidos, precisamos primeiro detê-los com nossas mãos" (ou seja, pela força). "Isso significa que devemos detê-los combatendo-os, assassinando seus líderes opressivos, enfraquecendo suas capacidades ofensivas etc.. Não se trata de algo que esteja além de nosso alcance", ele escreveu.

Ainda que esporadicamente o critique, Cerantonio descreve o grupo Isis, estreitamente relacionado à Al Qaeda, como "as melhores forças em campo na Síria".

A polícia federal australiana (AFP) disse estar ciente da página de Cerantonio no Facebook mas não confirmou se ele está ou não sendo investigado.

Jibril, 42, nascido no Michigan, foi condenado por fraude e passou oito anos preso em uma penitenciária de alta segurança nos Estados Unidos, e esteve associado no passado a atividades religiosas radicais.

Ainda que não incite abertamente seus seguidores à violência, o relatório do King's College afirma que Jibril começou a expressar pelo Twitter seu apoio aos rebeldes sírios 13 dias depois de ser libertado da prisão. Em uma prédica disponível no YouTube, ele diz: "Quando seus irmãos na Síria falarem, hoje todos precisam calar a boca e ouvir, porque eles estão provando ser homens de verdade".

Jibril é popular no Facebook, onde sua página pessoal alardeia que seus posts são acompanhados por mais de 145 mil assinantes.

O estudo diz que Jibril é a pessoa que recebe mais "likes" no Facebook entre os combatentes estrangeiros acompanhados pela pesquisa, e que 60% dos jihadistas estrangeiros que estão lutando na Síria seguem sua conta no Twitter.

Poucas horas depois da morte de Ifthekar Jaman, de Portsmouth, em dezembro na Síria, Jibril enviou uma mensagem de condolência a um membro de sua família por meio do sistema de mensagens diretas do Twitter.

A mensagem está disponível no timeline público do destinatário, e diz que "eu não o conhecia [Ifthekar], mas quando li sobre ele hoje, chorei; que Alá esteja com você, que Alá confira a ele ferdous [o nível mais elevado do paraíso]!"

"Dê meu salam, amor e respeito a toda a sua família. Se eu estivesse aí, seria uma grande honra visitá-los". A mensagem foi retransmitida 97 vezes por usuários do Twitter, e está na lista de favoritos de 141 deles.

De acordo com o relatório de hoje, os dois líderes religiosos se complementam e não concorrem. Quando perguntado pelo "Guardian" se incitava terceiros à violência e possíveis atos de terrorismo, Cerantonio respondeu que "não duvido de que eu tenha apelado a todos os crentes, quer velhos, quer jovens, a que respondam aos comandos de Deus".

Jibril não respondeu às perguntas do "Guardian" e recusou uma entrevista.

Shiraz Maher, do centro do estudo do radicalismo, disse que o relatório representava a primeira análise empírica "do que é importante para os combatentes estrangeiros" no contexto sírio.

Cerantonio e Jibril representam uma nova onda de pregadores "virtuais", ele disse. "Não tínhamos a intenção de escrever o relatório como foi escrito; só analisamos os números e os dois ficaram no topo da lista; as provas sugerem que ambos são muito importantes para pessoas na casa dos 20 anos que estão envolvidas e interessadas no conflito sírio".

"Nenhum dos dois tem uma mesquita ou um conjunto convencional de seguidores, da maneira que um pregador radical como Abu Hamza costumava ter quando ainda dispunha de uma base em que operar", ele afirma.

"Esses caras agora estão além de qualquer fronteira, são líderes religiosos virtuais que no geral operam apenas via Internet e na mídia popular, YouTube e, no caso de Cerantonio, também por meio de estações internacionais de TV", afirmou Maher.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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