Folha de S. Paulo


Síria tem programa de reabilitação para rebeldes arrependidos

Munir Hure al-Zada, 43, respira e responde à reportagem da Folha: "Não, nunca estive contra o governo". Ele é interrompido pelas risadas da dezena de presentes na sala, incluindo um soldado sírio e um representante do governo da província de Homs.

"Alguém acredita nele?", um homem pergunta. Em uníssono, todos dizem que não. Ele sorri, sem dentes.

Zada é um dos 300 rebeldes sírios mantidos em uma escola para um programa oficial de reabilitação, após entregar suas armas em um acordo mediado pela ONU, em fevereiro. Ali, são vigiados pelo Exército enquanto são doutrinados pelo regime.

A reportagem é recebida por quinze deles em uma sala de aula, em meio à fumaça de seus cigarros e ao cheiro doce do chá. Conforme a conversa flui, os insurgentes admitem, em diferentes graus, ter participado da rebelião armada ao regime.

"Eu fui preso três vezes", afirma Zada. "Na primeira, o Exército me espancou."

Mas o que parecia ser a tomada definitiva de Homs, no ápice da insurgência, mostrou-se uma frágil vitória militar dos rebeldes -o governo retomou quase toda a cidade.

Depois das negociações em Genebra, no início do ano, governo e rebeldes entraram em acordo. Mais de mil se entregaram ao regime.

Eles foram recebidos no centro de reabilitação pelo general Ammar, que prefere não revelar o sobrenome. Seu rosto, paralisado pela metade, é hoje uma das faces do regime para a reconciliação com os grupos armados.

A paralisia é resultado de um disparo que atingiu seu maxilar. Ele perdeu a audição no ouvido esquerdo, mas afirma estar pronto para apertar as mãos do autor do tiro "se ele se arrepender".

"Talvez seja um dos que estão aqui", diz. "A Síria é a mãe, e a mãe tem de perdoar o filho. Mas só aquele que se arrepende. Quem for pego vai ser tratado como traidor."

Omar Shufar, 19, diz ter se arrependido. Diante do diretor, de um soldado e de um porta-voz do governo, ele afirma ter sido enganado por grupos rebeldes, "que me convenceram de que o regime é aliado de Israel e dos EUA e que tínhamos de lutar".

Shufar afirma que fazia parte de uma milícia de nove jovens armados, cada qual com seu rifle. Até que seu líder desbandou o grupo e, acuado, o garoto aceitou a oferta de anistia do regime.

Hamze Zakur, outro dos ex-rebeldes, esteve por meses em um grupo insurgente de Homs.

Ele narra o treinamento de centenas de jovens em um pátio de escola. "Eles nos davam drogas e nos obrigavam a lutar", afirma.

As histórias contadas por ex-insurgentes são variações em torno do mesmo tema: arrependimento. "Eu tinha medo de me entregar", diz Muhammad Faisal, 42, deitado com a perna imobilizada por pinos metálicos.

Diogo Bercito/Folhapress
Muhammad Faisal(esq.), com a perna imobilizada, um dos ex-rebeldes que se entregaram
Muhammad Faisal(esq.), com a perna imobilizada, um dos ex-rebeldes que se entregaram

Ele foi ferido por um soldado do regime. "Os rebeldes nos diziam que iríamos para a prisão."

Cercado pelo Exército, ele entregou as armas e foi levado ao bloqueio militar em uma cadeira de rodas, onde juntou-se ao comboio negociado pela ONU para a retirada de civis da cidade antiga.

A negociação foi mediada pelo padre Michel Nuaman, um dos entusiastas do projeto de reconciliação. "Temos de nos sentar para conversar antes que haja mais bombas, mártires e
destruição."

Ele lidera uma comissão que negocia com regime e rebeldes para a libertação de prisioneiros. "Uma família que tem o filho sequestrado não se preocupa com a guerra, mas com ele. Se pudermos trazê-los de volta, podemos trazer também a paz."


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