Folha de S. Paulo


'Primo' do crack se alastra na Colômbia

Um portão improvisado, guardado por dois "noias", separa o centro de Bogotá do Bronx, região que se tornou a versão colombiana da cracolândia paulistana.

Só entra lá quem tem autorização dos "caciques", líderes traficantes, ou então quem conseguir se passar por um possível comprador de "bazuco" –droga derivada da coca, assim como o crack, e responsável por uma epidemia de dependência em países andinos, principalmente Peru e Colômbia.

O bazuco é um pó amarelado feito a partir de um subproduto obtido antes da extração da cocaína, a pasta-base de coca. A substância é misturada a solventes, como gasolina, e a outros aditivos, entre eles pó de tijolo.

Arquivo pessoal
Área degradada no centro de Bogotá concentra quase 2.000 dependentes de derivado da coca
Área degradada no centro de Bogotá concentra quase 2.000 dependentes de derivado da coca

O resultado é uma droga mais barata e tão viciante quanto o crack –este pouco popular na Colômbia. Uma dose de bazuco custa 2.000 pesos colombianos (R$ 2,40), uma pechincha ante os R$ 10 cobrados por uma pedra de crack nas ruas de São Paulo.

A oferta atrai cerca de 3.000 moradores de rua ao Bronx, dos quais 1.800 são dependentes da droga, calcula a prefeitura. É mais ou menos o dobro da cracolândia paulistana, segundo o psiquiatra Dartiu Xavier, professor da Unifesp que faz pesquisas na região.

"Estima-se uma população flutuante de 1.200 pessoas na cracolândia", diz Xavier. A Prefeitura de São Paulo não dá números oficiais.

Traficantes impõem regras de conduta dentro da "bazucolândia". "Não pode entrar de capuz, tirar foto, e é proibido roubar quem vai comprar droga. Ninguém sabe quem são os 'caciques', mas estão por lá e andam armados", conta Jeimmi Cubillos, 22, que prefere ser chamada de Jonathan. Ela deixou as ruas há dois meses, após dois anos na "bazucolândia".

O governo diz tentar de tudo para retomar o controle, de intervenções policiais a projetos educativos. Mas atrás dos portões acumulam-se pilhas de lixo, e lojas ilegais vendem peças de carro e bebidas alcoólicas de procedência duvidosa.

Tudo isso é acompanhado de perto por uma polícia onipresente, que de vez em quando revista um ou outro que sai de lá.

BAZUCO ZERO

Na última ofensiva contra o tráfico, a Prefeitura de Bogotá anunciou o "Bazuco Zero", que consiste em dar maconha aos dependentes como forma de tratamento.

"A ideia não é trocar uma droga por outra, mas usar a maconha de forma controlada como terapia para ajudar a reduzir a síndrome de abstinência, que muitas vezes leva a comportamentos violentos, confrontos e roubos", afirma Guillermo Alfonso Jaramillo, um dos idealizadores do projeto.

Segundo estudo recente da prefeitura feito com 500 moradores de rua, 77% dos dependentes admitem já usar maconha para diminuir os efeitos do bazuco.

Para a proposta ser colocada em prática, falta a regulamentação de um artigo da Constituição que abre exceção para o uso de substâncias psicotrópicas em caso de prescrição médica.
Outro problema passou a ameaçar o plano: a destituição, pela Justiça, do prefeito Gustavo Petro. A nova administração, porém, promete manter o projeto.

A falta de evidências científicas concretas é a maior crítica de pesquisadores ao plano. "Dar maconha a um 'bazuqueiro' é absurdo. Os moradores de rua seriam cobaias. Não há pesquisas suficientes para provar que isso teria efeito", afirma Juan Daniel Gómez, doutor em psicologia e professor da Pontifícia Universidade Javeriana.

Estudioso da droga há 40 anos, ele argumenta que a maconha e o bazuco têm ações diferentes e vias de estimulação cerebrais distintas.

No Brasil, Dartiu Xavier coordenou um estudo, de 2010, que avaliou o uso de maconha como auxiliar no tratamento de 50 usuários de crack. "Sugerimos que usassem maconha quando tivessem vontade do crack, e 68% largaram a droga em seis meses", disse Xavier.

Ele foi convidado para uma reunião em Bogotá para debater o plano. Para ele, a ideia do "Bazuco Zero" é boa.

Para Ana Fernanda, 20, que já viveu no Bronx, a ideia não faz sentido. "Sou viciada nas duas coisas, quero ficar livre de tudo, inclusive da maconha. Já tentei largar o vício sete vezes. Essa é a oitava."

Jeimmi, outra ex-moradora do Bronx, concorda. Para ela, o melhor jeito de largar o bazuco é a abstinência total. "É a pior droga de todas. Eu comprava 30 doses e consumia tudo em um dia, ficava uma semana sem dormir. A minha casa era o Bronx."

REDUÇÃO DE DANOS

O "Bazuco Zero" não tem como objetivo a abstinência, mas melhorar qualidade de vida do dependente. Assim também é classificado o programa "Braços Abertos", de São Paulo, que desde janeiro emprega cerca de 380 usuários de crack em atividades como varrição e jardinagem.

Jaramillo diz que esse é o caminho. "Também damos trabalho aos moradores do Bronx. Eles reciclam, e nós compramos seus produtos. "

Segundo Xavier, tratamentos tradicionais não funcionam. "Com trabalho, as pessoas desenvolvem repertório social. Deixar de consumir a droga é uma consequência."


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