Folha de S. Paulo


Brasil silencia para não contrariar Putin

O Itamaraty e os próprios diplomatas brasileiros, individualmente, estão mudos em relação à crise entre a Ucrânia e a Rússia na Crimeia por determinação da presidente Dilma Rousseff. Eles alegam que, se não há uma posição, não há o que dizer.

A tendência natural seria condenar a Rússia, mas a presidente é partidária da ideia de que o Brasil não deve se meter em crises de países tão distantes.

Além disso, há o temor de que o presidente Vladimir Putin, contrariado, cancele a vinda para a cúpula dos Brics.

A reunião de chefes de Estado dos cinco países (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) foi marcada para Fortaleza em 15 de julho, dois dias depois do fim da Copa.

Na percepção de diplomatas, há também um forte componente ideológico no silêncio brasileiro: condenar a Rússia seria como tomar partido dos EUA, com os quais as relações estão estremecidas desde as denúncias de espionagem.

De toda forma, há desconforto entre esses diplomatas. Eles lembram que, historicamente, o Brasil considera que o princípio da integridade territorial prevalece sobre o da autodeterminação dos povos.

Ou seja: o direito da Ucrânia à integridade do país se sobrepõe à manifestação da população da Crimeia a favor da anexação à Rússia.

No Itamaraty, há até a preocupação de que não haja um contraste negativo para o Brasil entre as posições diante da Venezuela e, agora, da Ucrânia. Se apoia veementemente o governo venezuelano, o Brasil se nega a apoiar o ucraniano.

Para os críticos da "não posição" brasileira, o silêncio também é uma posição, e essa omissão tende a ser cobrada adiante por parceiros tradicionais e fundamentais do Brasil, como EUA e Europa.

Eles dizem que falta a Dilma a compreensão sobre o significado de política externa e que há um erro de avaliação sobre o custo-benefício do silêncio. As consequências podem ser contrárias ao interesse nacional.

Há também uma questão bilateral delicada: o Brasil tem um programa de cooperação com a Ucrânia na área aeroespacial, para lançamento de satélites. Não se descarta que haja retaliação a médio ou longo prazo.

Um dos alertas que diplomatas fazem é que, quanto mais o tempo passa e as circunstâncias evoluem, mais difícil vai ficando para que o Brasil assuma uma posição.

A última nota, considerada amorfa, foi divulgada pelo Itamaraty em 19 de fevereiro. Depois disso, a crise ganhou contornos muito mais graves, veio o referendo de domingo e já começa o mal-estar direto entre militares da Rússia e da Ucrânia.

O tom de diplomatas brasileiros corresponde à perplexidade de colegas estrangeiros lotados em Brasília.


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