Folha de S. Paulo


Não perdi a fé no presidente Rowhani, diz ativista do Irã

Maior expoente da luta pelos direitos humanos no Irã, Nasrin Sotoudeh, 50, passou três anos presa em Teerã. Foi libertada em setembro, com outros presos políticos, em meio a um ensaio de abertura promovido pelo novo presidente, Hasan Rowhani.

Mas, seis meses depois, dezenas de ativistas continuam atrás das grades, e o número de execuções disparou –ao menos 95 neste ano.

Em entrevista à Folha, Sotoudeh diz que Rowhani não consegue cumprir promessas de mais liberdade devido à pressão dos ultraconservadores que compõem o fragmentado regime, no qual a Presidência tem poder limitado.

A advogada disse que seu filho caçula não se lembra dela antes da prisão e revelou que continua sob pressão.

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Folha - Qual a sua situação legal hoje?
Nasrin Sotoudeh - Há seis meses, fui totalmente perdoada. Não precisarei cumprir os três anos restantes da pena. Mas, pelos próximos dez anos, não posso sair do país nem trabalhar como advogada. Essa proibição de exercer a profissão é ilegal. Só a ordem dos advogados pode me barrar. Por isso o Judiciário vem pressionando a ordem para cassar minha carteira.

Por que acha que a libertaram?
Pensei que fosse o início de uma era na qual todos os presos políticos seriam soltos, inclusive [Mehdi] Karoubi e [Mir Hossein] Mousavi [candidatos derrotados que contestaram o resultado da eleição presidencial de 2009]. Não acho que eu tenha me iludido. Mas os linha-dura impediram a continuação desse processo.

Quem são esses linha-dura?
Forças que têm amplos poderes e estão sob supervisão direta do líder supremo [aiatolá Ali Khamenei], como o Judiciário e o aparato de segurança.

A senhora acredita nas belas palavras de Rowhani?
Não perdi a fé em seu governo. Mas tampouco aposto todas as fichas nele. A sociedade civil pode fazer coisas que Rowhani não pode. E ele, como presidente, pode fazer coisas que não podemos. Estou confiante de que as coisas irão melhorar.

Como pode estar otimista se Rowhani não conseguiu sequer cumprir a promessa de desbloquear o Facebook?
Após sofrer golpes no governo [do presidente reformista Mohammad] Khatami [1997-2005], os reformistas perderam esperança, e isso permitiu o surgimento do governo Ahmadinejad. Não podemos nunca mais deixar o pessimismo tomar conta.

Como está a sua vida depois da libertação?
Passo o tempo lendo e cuidando dos filhos [um menino de sete anos e uma moça de 14]. Também converso bastante sobre meu caso com colegas advogados. Às vezes saio de casa.

A senhora teme ser rastreada?
Não vi ninguém me seguindo. Mas nossa casa foi assaltada há dois meses. Como a criminalidade disparou, não se pode descartar que tenha sido um ato criminoso. Mas aconteceu depois que parlamentares europeus me visitaram e semanas após uma campanha contra mim na imprensa linha dura. Por isso, presumo que não tenha sido só um ato criminoso.

Qual foi o momento mais difícil na prisão?
A tortura psicológica. Por dois meses e meio não pude ver meu caçula. Um agente um dia me disse: 'sei o nome da sua filha, mas como era mesmo o nome do seu filho?'. Meu filho não se lembra de mim antes da prisão. Quando pergunto a ele qual sua lembrança mais antiga da mamãe, ele diz que é em Evin. Ele não tem nenhuma recordação de quando eu o pegava no jardim de infância.

O que responde aos que a acusam de querer derrubar o regime?
Sou parte de um grupo de advogados cujas exigências são claras e legais. Queremos o respeito de leis que foram adotadas pela própria República Islâmica do Irã. Criticamos estas leis, mas queremos que sejam aplicadas.

Qual o problema mais grave em termos de direitos humanos no Irã?
A pena de morte. Se fosse suspensa, boa parte das questões de direitos humanos seria resolvida. Não vejo razão clara para o número de execuções ter disparado nas últimas semanas.

A senhora teme ser condenada à morte?
É algo improvável. Eles sabem que eu trabalho dentro da lei. Não fariam isso.


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