Folha de S. Paulo


Merkel apoia rede de dados europeia para evitar espionagem dos EUA

A chanceler (primeira-ministra) alemã, Angela Merkel, expressou apoio às propostas de criação de redes europeias de dados que manteriam os e-mails e outras comunicações do lado europeu do Atlântico mais distantes do vigilante olhar norte-americano, e disse que conversaria sobre o assunto esta semana com o presidente francês, François Hollande.

"Acima de tudo, discutiremos com os provedores europeus sobre a necessidade de oferecer segurança aos nossos cidadãos", declarou Merkel no sábado, em seu podcast semanal. "Para que seus e-mails e outras coisas não precisem atravessar o Atlântico, e possamos construir redes de comunicações também dentro da Europa".

Os dois líderes devem se reunir na quarta-feira em Paris, onde Merkel também falará sobre questões econômicas ainda não especificadas, disse seu porta-voz.

Companhias alemãs como a Deutsche Telekom já invocaram a possibilidade de criar redes desse tipo a fim de atenuar a preocupação do público sobre a possibilidade de que dados transmitidos via Internet sejam rastreados e recolhidos pela Agência Nacional de Segurança (NSA) dos Estados Unidos quando eles passarem por servidores instalados em território norte-americano ou que sejam propriedade de companhias norte-americanas.

Mas essa foi a primeira vez que Merkel expressou apoio público à proposta. A chanceler, que cresceu na antiga Alemanha Oriental durante a era comunista, período em que o governo espionava regularmente os cidadãos do país, expressou publicamente sua insatisfação quando descobriu que seu celular provavelmente tinha sido alvo de escuta por parte da agência de inteligência norte-americana, no final do ano passado.

O caso, revelado quando Edward Snowden, antigo prestador de serviços à NSA, expôs a organização e revelou muitos documentos, continua a incomodar os europeus, especialmente a elite política e da mídia, atônita por os norte-americanos, que ensinaram aos alemães pós-nazistas a importância da privacidade e da liberdade individual, estarem recolhendo dados individuais em tamanha escala.

O presidente Barack Obama garantiu a Merkel que o celular dela já não é alvo de monitoração. Mas um jornal alemão revelou recentemente que o celular de seu predecessor, Gerhard Schröder, aparentemente foi alvo de escuta em 2002, quando ele se opôs aos planos do governo Bush de ir à guerra no Iraque.

Apesar de toda a fúria da Alemanha, surgiu posteriormente a informação de que a inteligência francesa trabalha de forma igualmente assídua na coleta de comunicação e dados –um instrumento e combate ao terrorismo que muitos países ocidentais reconhecem–, e a reação francesa às ações da NSA foi mais equívoca.

Em Washington, na semana passada, Obama e Hollande sugeriram em uma entrevista coletiva que qualquer rancor existente entre Estados Unidos e França quanto ao assunto se havia dissipado.

"Depois das revelações que aconteceram por conta de Snowden", disse Hollande, "esclarecemos as coisas; o presidente Obama e eu esclarecemos as coisas".

Agora, afirmou, "estamos avançando" na cooperação quanto ao combate ao terrorismo mas sem comprometer os princípios da proteção à privacidade. "A confiança mútua foi restaurada", ele disse, baseada no respeito a cada país.

É improvável que Merkel, que disse que visitará Washington nos próximos meses, faça declaração igualmente clara sobre o assunto, porque os alemães estão muito mais incomodados.

Mas em seu podcast ela também reconheceu as dificuldades de preservar a privacidade e criar uma política europeia unificada para a proteção de dados.

A Alemanha, que por conta de seu passado nazista e comunista tem leis severas de proteção aos dados, deseja unidade, mas "não queremos que nossa proteção a dados seja atenuada", declarou Merkel.

Apontando que empresas como Google e Facebook baseiam suas operações de dados em países que ela não identificou nominalmente mas sobre os quais afirmou que "eles têm as proteções mais fracas a dados", Merkel acrescentou que "essa é uma situação que não poderemos aceitar para sempre".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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