Folha de S. Paulo


Gays relatam hostilidade após nova lei russa

A entrada em vigor de uma lei que limita a liberdade dos gays na Rússia, em junho passado, permitiu que a discriminação avançasse pelas mais diversas áreas no país e passasse a ameaçá-los inclusive em seu direito a atendimento de saúde.

Um levantamento publicado no "Health and Human Rights Journal", da Universidade Harvard, mostra que 72% dos 1.385 gays entrevistados dizem ter sofrido algum tipo de discriminação ao procurarem um médico, após a aplicação da lei. No caso dos transgêneros, o percentual sobe para 92%.

Entre os relatos, estão o "uso de precaução excessiva" por parte dos médicos, a recusa do profissional em tocar o paciente e até a total privação de atendimento. Alguns entrevistados disseram ter sido recriminados por serem soropositivos ou acusados de levar uma "vida de pecado".

Para os gays com HIV, a situação foi ainda mais grave: 72% deles disseram ter tido atendimento médico negado pelo menos uma vez após a aprovação da lei.

Como consequência da discriminação, 42% deles disseram que, se puderem escolher, não esperam mais usar o sistema de saúde.

"Esses resultados preliminares sugerem que a saúde dos LGBT [gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais] está ameaçada pelas mudanças nas leis", afirmam os autores da pesquisa, o estudante da London School of Hygiene and Tropical Medicine Oleg Kucheryavenko e o estudante de relações internacionais Kirill Guskov.

Com a lei contra a "propaganda gay", os russos são multados em caso de manifestações de "relações sexuais não tradicionais" –o que, na prática, limita qualquer gesto homoafetivo. Em caso de infração, o autor é obrigado a pagar multa de 4.000 a 1 milhão de rublos (R$ 275 a R$ 68,7 mil).

A punição também vale para estrangeiros, que, se culpados, são obrigados a pagar multa de 100 mil rublos (cerca de R$ 6.900), podem ser detidos por 15 dias e até expulsos do país.

"Se você segurar um cartaz pró-gay na rua, isso pode ser considerado ilegal a partir de agora, porque as crianças vão poder ver a 'propaganda'", explica Michael Walker, consultor da Fundação Vojvodina e um dos autores do artigo, à Folha.

VIOLÊNCIA

O artigo da revista científica também mostra dados, publicados em agosto passado, sobre a violência contra os gays no país.

De acordo com um levantamento feito pela organização Russian LGBT Network com 2.437 gays no primeiro semestre de 2013 –antes da aprovação da lei–, 56% disseram já ter sofrido algum tipo de assédio psicológico e 16% disseram já ter sido agredido fisicamente.

Do total, 7% afirmaram ter sofrido violência sexual e 8% dizem que foram detidos, pelo menos uma vez, em razão de sua orientação sexual.

Como 77% também dizem não ter confiança na polícia, uma grande parte dos gays nem registra a violência.

"Muitos na Rússia acham que os homossexuais 'recrutam' crianças para se 'tornarem gays' e não são diferentes dos pedófilos. As autoridades só têm reforçado essa visão", disse Walker.

O país possui grupos como o "Occupy Pedophilia", que seduz gays nas redes sociais para depois humilhá-los publicamente.


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