Folha de S. Paulo


Ucrânia quer fugir do pior do comunismo, diz filósofo britânico

O filósofo britânico Roger Scruton, 69, é formado em Cambridge, especialista em estética e professor visitante nas universidades de St Andrews e Oxford. Mas foi no debate político e cultural que surgiu como crítico do multiculturalismo, do comunismo e da União Europeia (UE).

Scruton lecionou em 1990 no Jan Hus Educational Foundation na antiga Tchecoslováquia, instituição criada por professores de Oxford em 1980, que distribuía livros, organizava palestras de pensadores ocidentais e era conhecida pela polícia política tcheca como "Centro de Subversão Ideológica".

Em entrevista à Folha, ele fala sobre a crise na Ucrânia, o surgimento de novos atores políticos na Europa e a comparação entre o Tea Party e a extrema-direita europeia.

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Folha - Como o senhor vê os protestos recentes em Kiev?

Roger Scruton - Os protestos são contra a dominação russa e as formas ilegais de governo pós-comunista que perpetuam alguns dos piores aspectos do comunismo. O desejo de aderir à UE é o de ser parte do sistema ocidental de estados e também o desejo de escapar à última das correntes impostas em 1917 [ano da Revolução Russa].

O que acha dos manifestantes desejarem uma maior aproximação com a UE e o afastamento da Rússia?

É bom para a Ucrânia se aproximar da UE, e ruim para a UE que já está sobrecarregada de países ex-comunistas e suas populações em fuga. O que é preciso é que a Ucrânia seja nacionalmente independente e possa negociar livremente com seus vizinhos, mas que não seja parte da UE. O bloco europeu vai em breve desmoronar sob a pressão de muitos membros e muita liberdade de trânsito entre eles.

Em artigo recente a revista britânica "Economist" comparou os partidos europeus de extrema-direita e anti-UE com o movimento Tea Party nos EUA. O senhor concorda com tal comparação?

É claro que não. Ninguém sabe o que é ser de "extrema-direita". Tem nacionalistas na Europa que querem reafirmar a identidade nacional em oposição à UE. Eles são como o Tea Party na procura por uma ordem anterior frente àquilo que veem como perda de identidade e direção. Mas diferentemente do Tea Party o interesse deles não é o Estado de direito mas sim a identidade nacional.

Há muita confusão entre os conceitos de direita. Qual é a diferença entre a "extrema-direita" e a direita conservadora?

A direita conservadora se preocupa com o Estado de direito, constituição, ocupações históricas de territórios, cidadania e continuidade. Já a extrema-direita é a afirmação violenta da identidade nacional, seja ela legal ou não e sem muita compreensão do conceito de cidadão.

O senhor acha que há um renascimento de ideias conservadoras na Europa após a crise de 2008?

Não tenho certeza disso. As pessoas ficaram mais desconfiadas das finanças internacionais e das multinacionais. Mas eles não entenderam que o conservadorismo é um movimento tanto cultural quanto politico.

Na França, 10 mil pessoas se reuniram na semana passada contra a flexibilização da lei do aborto e em apoio à nova projeto de lei na Espanha que restringe o aborto. Como explicar esses atos?

A Espanha é um estado em crise cultural, após ter rejeitado sua herança católica, e sem nenhuma ideia do que por em seu lugar. Já a manifestação na França é uma resposta ao governo de esquerda que introduziu o casamento gay entre outros e a afirmação de que a família é mais importante do que a sociedade sem raízes, exemplificada em todos os sentidos pelo presidente [François] Hollande.

O senhor diz que a liberdade depende de uma rede delicada de instituições. Isso é possível em países de experiência democrática recente como Rússia e Ucrânia?

As coisas precisam ser construídas de forma gradual e pessoas boas precisam estar preparadas para fazer sacrifícios a fim de criar instituições que durem. O importante é não ter muitas expectativas, e permitir o máximo de espaço à sociedade civil.


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