Folha de S. Paulo


Livro lembra Holocausto repetindo palavra 'judeu' 6 milhões de vezes

Não há trama a comentar, e os personagens infelizmente não apresentam forte profundidade. Pelo lado positivo, a leitura pode ser rápida –especialmente se considerarmos que se trata de um tomo de 1.250 páginas.

O livro, mais arte que literatura, consiste de uma única palavra –"judeu" –, em corpo muito pequeno, impressa 6 milhões de vezes para marcar o número de judeus mortos durante o Holocausto. A ideia é que a publicação sirva como um livro comemorativo, como forma de provocar diálogo e como instrumento para estimular o pensamento.

Rina Castelnuovo - 23.jan.2014/The New York Times
O livro
O livro "And Every Single One Was Someone" tem escrito 6 milhões de vezes a palavra 'judeu'

"Quando você olha para ele de uma certa distância, não sabe se está de cabeça para cima ou de cabeça para baixo; não se pode dizer o que está lá; parece um simples padrão visual", diz Phil Chernofsky, o autor –ainda que empregar o termo para descrevê-lo talvez seja exagero.

"Era assim que os nazistas viam suas vítimas: não eram indivíduos, não eram pessoas, eram apenas uma massa que eles precisavam exterminar".

"Mas observe de mais perto, coloque os óculos, e ajuste o foco para ler a palavra 'judeu'", diz Chernofsky. "Aquele judeu poderia ser você. Ao lado dele está seu irmão. E, olhe, suas tias, tios, primos, toda a sua família. Uma fileira, uma coluna –todo o pessoal da sua escola. Com isso, você se vê em estado de certa forma meditativo sob o qual, ao ler a palavra 'judeu', você se concentra em um judeu específico, o observa, e de repente sua mente dispara, e você quer saber quem foi essa pessoa, onde ela vivia, o que desejava fazer quando crescesse".

O conceito não é inteiramente original. Mais de uma década atrás, alunos de oitava série em uma escola de uma pequena cidade do Tennessee decidiram recolher 6 milhões de clipes de papel, como um documentário de 2004 registra.

O anonimato das vítimas e a escala da destruição também é expressa nas pilhas aparentemente infinitas de sapatos e óculos expostas nos antigos campos de extermínio da Europa Oriental.

Agora, a Gefen Publishing, uma editora de Jerusalém, decidiu publicar o livro, intitulado "And Every Single One Was Someone" [e cada um deles era alguém], o que permite que cada igreja e sinagoga, escola e biblioteca, faça afirmação semelhante.

Embora muitos líderes judaicos dos Estados Unidos tenham expressado aprovação ao livro, alguns educadores sobre o Holocausto o veem como um simples truque. O livro toma o caminho oposto do esforço iniciado há muitos anos pelo Yad Vashem, o museu e memorial do Holocausto em Jerusalém, para documentar as identidades dos 4,3 milhões de vítimas judias do extermínio - um projeto de custos milionários.

Os nomes das vítimas ocupam o monumental "Livro dos Nomes", com dois metros de altura e 14 metros de circunferência, inaugurado no ano passado em Auschwitz-Birkenau.

O catálogo da editora Gefen estabelece um preço de US$ 60 para o livro, mas Ilan Greenfield, presidente-executivo da companhia, disse que as cópias individuais provavelmente serão vendidas por cerca de US$ 90 (para quem comprar mil cópias, o preço cai para US$ 36).

Ele afirma que 5.000 cópias foram impressas desde que o livro chegou ao mercado, meses atrás. Uma pessoa comprou 100 cópias para distribuição aos senadores federais dos Estados Unidos, e líderes judaicos na Austrália, África do Sul, Los Angeles e Denver compraram lotes de livros para suas comunidades.

Chernofsky, judeu ortodoxo e avô de nove crianças, é um homem de números, o tipo de pessoa que não consegue subir uma escada sem contar os degraus (são 41 até o seu apartamento).

A "Torah Tidbits", publicação que ele editou por duas décadas, sempre cita o número de sentenças na porção semanal da Torá que publica (118 na seção "Estatutos", uma semana atrás).

Ele gosta de brincar com calendários, e se diverte com a coincidência de datas entre o calendário hebraico e o inglês nos próximos três meses: 1º de fevereiro é o 1º de adar, e 30 de abril é o 30 de nissan.

Greenfield, o editor, disse que seu objetivo último era imprimir 6 milhões de cópias de "And Every Single One Was Someone". Porque cada cópia tem sete centímetros de espessura, os livros ocupariam 430 quilômetros de estantes –distância só um pouco menor do que a extensão norte-sul de 433 quilômetros do território de Israel. (O que valeria a Chernofsky, sob um contrato de royalties que lhe paga US$ 1,80 por livro, um total de US$ 10,8 milhões.)

"Os sete volumes de Harry Potter continham 1,1 milhão de palavras", aponta Chernofsky, fã devoto da série e proprietário de uma vassoura de quadribol que decora seu escritório. "O meu livro tem 6 milhões, o que quer dizer que superei J. K. Rowling".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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