Folha de S. Paulo


Civis se armam em guerra contra traficantes em Estado mexicano

O consultório do médico José Manuel Mireles, na pequena cidade de Tepalcatepec, no Estado de Michoacán (México), vivia lotado.

Não eram só ocorrências médicas que mantinham esse doutor alto (1,90 m) e magro, de olhos verdes e largos bigodes, ocupado. Muita gente se aproximava para contar dramas familiares: mulheres jovens estupradas, pessoas desaparecidas, extorsões e saques de lojas.

Cansado da ausência do Estado e da corrupção da polícia, o que permitia que o cartel do narcotráfico Cavaleiros Templários cometesse esses crimes, Mireles resolveu pegar em armas. Não fez isso sozinho. Já estavam surgindo desde fevereiro do ano passado os grupos civis de combate ao crime, os chamados "autodefensas".

Mireles logo se transformou no líder do movimento, que hoje mobiliza mais de 25 mil civis armados e vem retomando cidades do controle do tráfico.

Em outubro, o grupo entrou em Apatzingán, importante entreposto comercial de 100 mil habitantes. Houve embate entre civis e traficantes, e quatro pessoas morreram. A partir daí, passaram a invadir e ocupar outras cidades.

Hans-Maximo Musielik
Membro de milícia civil armada que combate narcotraficantes protege propriedade em Michocán
Membro de milícia civil armada que combate narcotraficantes protege propriedade em Michocán

O saldo de mortes nessas retomadas, segundo o jornal "La Reforma", é de 12 pessoas.

Hoje, os "autodefensas" têm sob seu poder 11 dos 113 municípios de Michoacán, respondendo pela gestão administrativa e pela segurança dessas cidades, que passavam, até então, por desabastecimento de alimentos, gás e água devido ao abandono do Estado. A mais recente ocupação dos "autodefensas" foi a do município de Nova Italia, na semana passada. Os criminosos se renderam e deixaram a cidade.

"Imagine uma sociedade em que um grupo de criminosos exige o pagamento de extorsões diariamente. Chega um momento em que você não pode pagar, então eles te sequestram, te matam, ou levam sua mulher e filhas adolescentes para as devolverem depois grávidas. A resposta da lei é vaga", diz à Folha o fotografo alemão Hans-Maximo Musielik, que atua na região desde o começo do ano passado. Os "autodefensas" acusam, ainda, a polícia local de cumplicidade com o crime organizado e pedem sua retirada.

"As pessoas estão pegando em armas porque querem proteger seus negócios. Os traficantes não querem controlar só a droga. São uma empresa, disposta a lucrar com as atividades agrícolas de Michoacán", diz à Folha o escritor Fabrizio Mejía.

Michoacán é o maior produtor de abacates (item essencial na gastronomia mexicana) do país. Com mais de 270 quilômetros de costa (no Pacífico), possui o maior porto de carga do México.
Na semana passada, o governo tentou retomar o controle da região conflagrada. Exigiu que os "autodefensas" depusessem as armas e, por outro lado, deu proteção médica e militar a Mireles, que sofreu um acidente de avião durante uma ação contra os traficantes e teve de fazer quatro cirurgias para recuperar a mandíbula.

Esse auxílio recebeu duras críticas da oposição ao PRI (Partido Revolucionário Institucional), no poder desde 2012. Para os opositores, o que o governo está fazendo é similar ao que fez o colombiano Alvaro Uribe em sua gestão (2002-2010), associando-se a grupos paramilitares para combater o narcotráfico.

Diante das críticas à sua inabilidade de resolver o conflito, o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, ordenou o envio de tropas federais ao Estado. Anteontem, o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, se disse "preocupado" com a situação.

"Vemos boa intenção do governo, mas não vamos nos desarmar. O perigo não está afastado", afirma Beto, o Cinco, chefe dos "autodefensas" da cidade de Parácuaro.
A tensão em Michoacán está longe do fim.


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