Folha de S. Paulo


Palestinos em local de massacre creditado a Sharon celebram

Enquanto os órgãos de Ariel Sharon se deterioravam na semana passada, poucos dias antes de sua morte, os moradores dos campos de refugiados palestinos Sabra e Shatila, em Beirute, no Líbano, já celebravam.

O coma com o qual o político teve de conviver, por oito anos, e a recente deterioração de sua saúde foram recebidos nas ruas enlameadas dos campos como punição pelo massacre que deixou centenas de mortos, em setembro de 1982.

Sharon foi considerado, à época, pessoalmente responsável por esse ocorrido, cuja estimativa de mortos oscila entre 762 e 3.500, em um cálculo ainda controverso.

France Presse
Fotografia de 1982 mostra mulher chorando, enquanto homens retiram corpos de mortos do massacre de Sabra
Fotografia de 1982 mostra mulher chorando, enquanto homens retiram corpo de palestino morto em Sabra

"Estamos felizes com o sofrimento dele", afirma à Folha a dentista Zainab Jana, 30, em uma região dos campos hoje liderada pela facção palestina Fatah.

Ao redor de seu consultório, pôsteres de líderes e mártires enfeitam as construções decadentes.

Para o morador Ahmad Aduluni, 56, o longo período de coma não foi o suficiente para aplacar o ódio entre palestinos em relação ao premiê israelense.

"Não importa o quanto ele sofra, não será o bastante. Espero que enfrente mais nas mãos de Deus."

O massacre de Sabra e Shatila foi realizado por uma milícia cristã libanesa, em 1982, como parte do ciclo de violência durante a Guerra Civil do Líbano (1975-1990).

À época, forças israelenses cercavam os campos, e a entrada de homens armados debaixo de seus narizes é apontada como fracasso de Israel em evitar esse crime.

Uma comissão de inquérito israelense apontou, em 1983, que Sharon –então ministro da Defesa– falhou em tomar as precauções necessárias para impedir o ataque aos refugiados, razão pela qual renunciou ao cargo pouco tempo depois.

Nas ruas de Sabra e Shatila, a reportagem da Folha ouviu suspiros de "inshalá" (se Deus quiser) e "amém" quando mencionou o ocaso de Sharon aos moradores.

"Ele fez pessoas sofrerem e, por sua vez, sofreu com isso", afirma Ahmad Bari, 50.

"Ele deveria ter morrido há muito tempo", diz o libanês Yusuf Bitar, 53, diante do cemitério em que estão enterradas as vítimas do massacre.

Hoje, esse local é um ponto de encontro entre anciões, que se reúnem nos portões para tomar café durante a manhã.

"Sharon tinha de ter sido julgado, em Israel, e morto pelo que fez aqui. Assim como os palestinos estão no cemitério, Sharon já deveria estar enterrado", afirma Bitar.


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