Folha de S. Paulo


Análise: Vida política e militar de Sharon se confunde com a do país

Ariel Sharon é uma dessas figuras lendárias cuja história se confunde com a do próprio Estado de Israel.

Oficial condecorado do Exército, abraçou a carreira política com a mesma postura que o tornou conhecido no campo de batalha. Autoconfiança, ousadia e disposição para enfrentar adversários, de dentro ou de fora de Israel.

Entre os episódios marcantes de sua trajetória, dois se destacam: o massacre de Sabra e Shatila, em 1982, e o desmantelamento de assentamentos israelenses na Faixa de Gaza e no norte da Cisjordânia, em 2005.

Polêmico, o plano de retirada de cidadãos de Israel de territórios palestinos chamava atenção por ter sido proposto e levado à cabo justamente por aquele que havia sido um dos principais responsáveis pela construção de colônias na época em que era ministro da Agricultura e, depois, da Habitação.

Dificilmente outra liderança, porém, teria força política para tomar uma atitude como a do ex-premiê, disposto a se desfazer de territórios. Com um passado reconhecido de luta em defesa do Estado de Israel, Sharon possuía legitimidade para tomar uma decisão ousada, embora tenha enfrentado intensos protestos de setores que não aceitavam fazer concessões.

A ação foi precedida por incursões armadas em território palestino, eliminação de líderes de facções, construção do muro que separa Israel da Cisjordânia, além da reformulação da gestão da segurança com o intuito de controlar a Segunda Intifada.

Antes de sofrer o AVC que o afastou do cargo de primeiro-ministro, Sharon assistiu à queda da sublevação palestina e a uma drástica redução dos ataques contra cidadãos israelenses a partir da Cisjordânia que dura até hoje.

Em Gaza porém, o que se seguiu foi o fortalecimento do Hamas e o aumento do número de foguetes lançados contra o sul do país, que marcaram negativamente a operação de destruição dos assentamentos na memória coletiva da sociedade israelense e reforçaram seu ceticismo em relação ao processo de paz.

Com a relativa neutralização de ameaças vindas da Cisjordânia e o aumento da sensação de segurança após a Segunda Intifada, sucessores de Sharon voltaram sua atenção ao Irã, deixando a questão palestina em segundo plano. O desafio atual é trazê-la de volta à pauta.

DANIEL DOUEK, cientista social, é mestre em Letras pelo Programa de Estudos Judaicos e Árabes da USP


Endereço da página: